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domingo, 5 de dezembro de 2010

FUMANTE - RONALDO DURAN



Olá, Amigo,



Escrever é uma faca de dois gumes. O mesmo texto pode provocar admiração em uma pessoa e desprezo em outra.

Quem fez o texto também não fica tranquilo. Para uns, é um bobo, chato, que nos enche com suas lorotas. Para ouros, uma pessoa digna de admiração.

Toda vez que mando um texto para os jornais ou para meus contatos fico, sim, torcendo para que o texto agrade, mesmo sabendo que há momentos que isto não acontecerá.

Mais uma vez grato pelo espaço,


Ronaldo





                               FUMANTE*



Que absurdo. Que coisa do outro mundo. Logo eu pensar assim. É que de repente me abateu um nojo, uma situação que provoca incômodo inenarrável. O que está acontecendo comigo para ter nojo do cigarro, eu que sou uma fumante compulsiva? O fato é que está cada vez mais complicado aceitar a sujeira alheia. O copo descartável sujo de café, as cinzas espalhadas no banheiro.


Será que estou começando a deixar de gostar do cigarro? Pior que não. Na minha privacidade, adoro tragar, soltar fumaça. Espero impaciente para que uma reunião acabe para eu correr para um cafezinho e pitar um. Na medida em que a reunião se estende, a tensão aumenta: os lábios se oprimem, o pulmão se aporrinha com o puro oxigênio, as narinas esbravejam por nicotina, os olhos reclamam da irritação de não ver diante de si o formato do cigarro e os dedos tremem por sentirem-se vazios.


                     fonte: blogger-index.com


De manhã, porque é de manhã, o cigarro cai otimamente bem. Na hora do almoço, logo que o estômago forra-se com comida, a nicotina tempera o bolo alimentar. À tardinha, o cigarro com café me desperta do sono. E antes de dormir, o cigarro relaxa o corpo.


E este nojo! Que inconveniente. Vem, contudo, unicamente na presença de outrem. Eu, no gozo de meu trago, nada sinto de aversivo. Apenas prazer. E a tosse seca, o peito encatarrado, os dentes amarelados? São os pedágios que pago para trafegar na estrada do meu prazer.


O outro me perturba. Nunca a máxima sartriana de que o inferno são os outros fica tão patente quando me deparo com pessoas de sorriso amarelado, papeando comigo, o bafo fétido exalando náusea. Ah, que irritação quando me sento no sanitário e percebo cinzas de cigarros espalhadas pelo chão: minha roupa sujando, o papel higiênico contaminado. Que deprimente. E como cúmulo do absurdo vem o copo descartável sujo de café deixado nas mesas da repartição. Raros os fumantes asseados, não emporcalhando com sua fumaça e cinzas e bafos o ambiente. Se eu não fumasse, com certeza arrumaria briga com quem fuma. É outra coisa que não entendo: não sei como os não-fumantes suportam passivamente o desrespeito que os fumantes causam.


Estou enojada? Talvez seja uma fase. Fumo há décadas e é a primeira vez que sinto incômodo. Nem as campanhas antitabagistas com crianças mortas ou o garoto propaganda definhando no hospital fruto de complicações respiratórias me causaram o menor remorso. Ora, morrer todos nós vamos. Mas a sujeira, a fumaça, o nojo vendo outrem fumar, me deixa irada. Tem uns tão sujos e desprovidos de bom-senso.


Por que estou falando assim? Eu sou fumante. Deveria estar defendo meu time. Na verdade, sempre o fiz. E agora, essa insanidade. Será tensão pré-menopausa? Quem sabe.


*ronaldo duran, escritor, psicólogo da fundação casa e colunista em jornais.































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