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sábado, 21 de agosto de 2010

LEITURA

HISTÓRIA TRISTE*



Nasceu? Sim! E porque nasceu?

Nasceu porque quando precisava faltou a coragem. Coragem? Coragem prá que?

Pra dizer que não se deve receber quem não é bem vindo!

E quem não é bem vindo?

Quem nasceu, oras!

Não é bem vindo? E porque não é bem vindo? Não é bem vindo porque deu tudo errado.
Como assim, tudo errado? E o certo não é quando se encontram, se apaixonam e se entregam?

Então, se assim é o certo, o que aconteceu foi tudo errado.

Não teve encontro, se trombaram.

Mas pelo menos se apaixonaram? Claro que não! Deu tudo errado.
Deu tudo errado porque se não se entregaram.


E porque não se entregaram?


Porque não havia o que se entregue. Tudo já havia sido roubado.

Roubaram a infância, a inocência, a candura.


Levaram também os sonhos de príncipe encantado e bela adormecida.


E porque ambos já haviam sido roubados, não havia mais o que entregar.


E como não havia mais o que entregar, simplesmente se deitaram.


Quando levantaram já era dia e a barriga já crescia.

E como crescia, o dia já não aparecia.

Não aparecia o dia porque a barriga tampava o sol.

Não, alguém que impedia que o sol nascesse não podia ser bem vindo.

E porque não se expulsava esse que não era bem vindo?

Porque se permitia que ele não deixasse o sol nascer?

Questão de coragem, ou de falta dela. E então, nasceu. Chorou? Talvez! Como talvez?

Se chorou, não se ouviu. E caso tenha sido ouvido, o descaso se repetiu. Repetiu...

Os ecos se ouviram depois.

Na escola... alguém viu?

Na igreja... se ouviu?

Em casa? Fugiu!

Fugiu? Sim, fugiu! E fugiu porque?

Porque sobrou coragem.

Coragem que para alguém faltou, para ele sobrou.

E do que sobrou, se armou.

E naquele momento se amou, se entregou.

A si próprio.

De arma na mão perseguiu o que não lhe deram.

E quem disse que cano compra afeição?

Mas não contaram isso prá ele.

E assim, se enganou. Armas, amores, amigos.

Que sumiram na primeira apreensão.

E agora? Agora , quem pariu Mateus que o balance!

Mas não pariram Mateus.

Mateus pariu a si próprio.

06 meses, sobe o relatório. Não foi dessa vez. Quem sabe da próxima!

Próxima? Que próxima! Sobra coragem e na ousadia, lá se vai Mateus... fuga maluca.

Maluca também é a vontade de aparecer novamente, seja de que jeito for.

Escolha errada, malandro. Aqui não entra ladrão.

Entra não entra na mansão, já era zicão.

Morreu!

Morreu? Como assim?

Assim como se morre qualquer um.



*Tais de Freitas. contato: taispfreitas@hotmail.com

domingo, 15 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA

VOZ DE MULHER*


por ronaldo duran*

Seria de estranhar eu receber dos meus colegas de trabalho e amigos e família o rótulo de ser um cara agressivo, insensível. Antes me chamam cuca fresca, ainda que levando a vida agitada na gerência de meu próprio negócio: uma casa de material elétrico. Quem me acusaria de estúpido no trato com o semelhante? Sou de carne e osso, sim. Por isso, de vez em quando tenho uns cinco minutos. E aí uma irritação com a esposa e acabo xingando. Uma brincadeira sem graça de cliente e ele sai ouvindo o que não queria. Odeio quando isto acontece. Parece que não sou eu. Definitivamente não sou do tipo que tem prazer em provocar ofensa.



Acontece que o destino me aprontou uma. Desenvolvi uma voz feminina. Bem, ninguém me disse pessoalmente. Tiro esta conclusão das infelizes vezes que ao telefone a voz desconhecida me trata por senhora. “Olha, a senhora quer anotar o número do protocolo?”, da vez que liguei para cancelar um serviço de telefonia. “Ah, a senhora poderia anotar o recado”, das vezes que ligam para minha esposa.


Nas primeiras vezes, achei inusitado. Voz de mulher, eu? Se eu fosse afetado, vai lá. Mas sou do tipo comum: pai de família, barba na cara, nariz enorme, rústico para quem não me conhece, segundo minha filha. E o cara me confundir com mulher?


Procurei não ligar. Mesmo buscava dissipar a dúvida. Quando tinha oportunidade dizia: “bem, meu nome é”. Do outro lado percebia o constrangimento: ah, sim, senhor. Repetia meu nome. Uns chegavam a pedir desculpa. Na maioria, soava um mero arranhar de garganta. O telemarketing é algo robótico, ansioso para despejar o falatório e fisgar o cliente, pouco prestando atenção na pessoa que está do outro lado da linha.


Chegou o dia que me enchi. Culpa dos cinco minutos que se estenderam por mais tempo? Pode ser. Não aguentaria mais um idiota me telefonar e me chamar de senhora. Que minha voz tenha o timbre feminino para fazer confundir quem me ouve ao telefone eu aceito, a contragosto, mas aceito. O que é imperdoável é sequer perguntar meu nome. Afinal, no Brasil, raríssimas exceções, o primeiro nome dá a certeza do sexo a que pertence o indivíduo.

Não tive que esperar muito. A vítima foi um telemarqueteiro de cartão de crédito. “A senhora poderia me chamar o senhor...?”, disse o jovem. “Ei cara, está me estranhando? Não sou senhora p. nenhuma”, desliguei. O telefone tocou três ou quatro vezes. Não saberia dizer se ele queria me pedir desculpa pela confusão de gênero ou revidar minha baixaria.

Saí de mim. Nunca fiquei tão nervoso. O que aconteceu comigo? Nem eu mesmo me reconheci.


*Escritor, colabora neste espaço toda semana. www.twitter.com/ronaldo_duran

EDUCAÇÃO - ARTIGO

E o Brasil, quer o que com seu ensino superior?




Por Nelson Valente*






Nos dois últimos governos inventaram índices, condições de oferta, Sinaes, Conaes, IGCs, CPCs, CCs AIEs (Avaliação Institucional Externa), produziram especiosos e detalhistas, senão ineficazes, instrumentos de avaliações, além de Enade, Enem, provinhas e provões, decretos-pontes, reformas universitárias, dilúvios de portarias ministeriais, micro (ou nano) regulatórias, enfim, uma parafernália de mudanças.



Tudo muito bonito, mas efetivamente inócuo



É um processo avassalador de modificações. Os governos brasileiros, federal e estaduais, têm alergia à ideia de órgãos autônomos, sejam agências reguladoras, sejam universidades, sejam conselhos educacionais. As universidades brasileiras não gozam de autonomia verdadeira. Acho que os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. Neste sentido, é de certa forma irônica observar que foi certa autonomia do Banco Central que deu ao Brasil a estabilidade da qual hoje se beneficia o país.



Não se discute o ensino superior no Brasil, discute-se o acesso ao ensino superior, por isso, não existe uma política universitária, uma política educacional do ensino superior. Minha decepção nesse período é que não tenhamos discutido os objetivos do ensino superior no Brasil. Hoje, o Brasil é a 8ª, 9ª economia do mundo. Se pegarmos a lista de melhores universidades mundiais, não encontramos nenhuma universidade brasileira entre as 100 primeiras. Vemos alguma lá na 180ª posição, que são as paulistas, a USP, a Unicamp, seguidas pela UFRJ, UFMG. O Brasil nunca definiu se deseja ter uma grande universidade de qualificação mundial. A Coreia do Sul está lutando bravamente para constituir universidades de qualificação mundial.



A China tem um plano de fazer 100 universidades de qualificação mundial até 2021. A Alemanha tem um programa de 2,5 bilhões de euros para a qualificação. O presidente francês deu autonomia para as principais universidades e exigiu que elas se qualifiquem. Portugal e Austrália também têm feito movimentos nessa direção. A Inglaterra tem pelo menos três universidades de classe mundial e os EUA tem um caminhão delas. E o Brasil, quer o que com seu ensino superior?
 
*É professor universitário, jornalista e escritor. nelsonvalenti@hotmail.com