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domingo, 22 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - PADRE DESBOCADO

PADRE DESBOCADO*




Foi um choque. Tantos palavrões. Se fosse da boca de colegas de farra, vá lá. Fica difícil encarar numa boa um religioso gritar vai-tomar-naquele-lugar. Se para mim, cuca fresca, o repertório do padre me fez balançar, imagina o estrago para as devotas senhoras.



Lembro-me da primeira vez que subiu ao palco. O sotaque peruano. A cara fechada. Nada do padre convencional. Estava visitando ou em Missão? Sei lá. O fato é que residiria duas, três semanas na paróquia do bairro. Eu, aluno de fonoaudiologia, raramente deixo de vir no fim de semana para minha Batatais. Solitário, corro para a missa dominical das oito da manhã. O costume vem desde que me conheço por gente. Aos doze anos, ia à missa sem companhia. Aos 23 anos, vi muitos padres. Uns inovadores e tantos outros conservadores. O padre peruano é diferente.

fonte: camposvrm.blogs.sapo.pt


Se você quer ser chamado de cristão, pode ficar aí com a bunda colada no banco ou ajoelhado, e depois da missa ir para casa e ver televisão, falar mal dos outros e afundar-se numa vida estúpida como um hijo de una puta. Agora, se você quer ser cristão de verdade deve usar a oração não como fim, porém como meio. Um meio para uma vida melhor, para evitar discórdia, difamação. Para cultivar a boa vontade. Não me venha dizer que depois de confessar as intenções ou atos pecaminosos vai te fazer estar bem com Deus. O Pai quer ação. Aja conforme a lei divina: e pare de nos infernizar a vida com assuntos tolos no confessionário. O ouvido do padre não é vaso sanitário”.



Nem eu teria capacidade para reproduzir todas as falas, sequer os palavrões. As devotas assombradas. As crianças rindo. Os jovens sem entender. O circo armado.



Meu curso é integral e tenho uma vida de pura agitação. Ainda assim é fácil supor o nó que a missa peruana causou na cabeça das pessoas. Nem a vinda do Bush ao Brasil seria pário. Na terça-feira, minha avó me ligou dizendo que o padre ofendeu muita gente durante a missa das dezoito horas. Se ele não poupou a grande massa no domingo, por que seria complacente com a meia dúvida que vai à igreja durante os dias da semana?, pensei comigo.



Teria chegado carta criticando a postura do padre por parte de uns mais incomodados. Nesse momento, até os nacionalistas vociferam: “Fora Peruano!”



O fim chegou. Ele teria que retornar. O que eu notei é que boa parte dos que lhe criticaram durante quase um mês de estadia, hoje batem palma e choram. Prova que o jeito rústico, desbocado, e bravo que o fazia inflamar a missa não ofuscou a mensagem significativa para nossas vidas que ele buscou transmitir.


* Escritor Ronaldo Duran, colabora neste espaço toda semana. www.twitter.com/ronaldo_duran