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terça-feira, 25 de maio de 2010

CRÔNICA DA SEMANA

Olá, Leitor,

Que a crônica agrade a você e sua família.

Abraços,

Ronaldo







A NADADORA*




Sortuda. Ei, parabéns. Você merece. Frases que colho a caminho do pódio. Olhares, gesticulações. Gritos. A medalha que recebo logo que inclino a cabeça é a sexta na categoria profissional. Convido as amigas para uma comemoração. Comedida, a farra tem tempo certo para terminar. Porque o que eu curto é ficar com a família.


Toda vez que levo a medalha para casa tenho a sensação de ser uma impostora. De não ter merecido. Melhor, de ter arrancado de quem a desejou mais. O que sempre quero é poder nadar.


A relação com a piscina começou meio às avessas. A origem humilde me privou de aulas de natação na infância. O mar, eu achava lindo, mas para olhar. Nada de enfrentar ondas. Com 18 anos, tudo mudou. A paixão de mais de dois anos me traiu, e na festa de aniversário dele! Não durante a festa, pois eu estava lá. Foi depois, quando ele havia me deixado em casa. A dor aguda me forçou a sair da cidade, dar um tempo. Refugiei-me na casa de uma tia em Ubatuba. Tinha um quintal enorme, uma piscina. Ainda que não tivesse, o mar estaria bem à frente. Numa certa tarde, comecei a dar braçadas. E não consegui parar mais. Era com muita delicadeza que a tia me arrancava da água para comer, tomar banho e dormir.


O universo conspirou. Passeando no calçadão, a tia encontrou um primo. Nada menos que o treinador de natação no clube de Ubatuba. Ele ficou sabendo de meu interesse em ficar na cidade. Ofereceu uma vaga de ajudante. Em menos de uma semana, mudou de ideia e me convidou para me treinar, caso eu aceitasse. Aceitei, pois vivendo mais na água que o ajudando com os afazeres, não aceitar significaria ter que deixar o clube.


Nadava dez ou doze horas por dia. Aí incluindo os alongamentos, treinos físicos. Odiava alongamento, exercícios fora da piscina. Ia obrigada. Um ano depois, estava participando de torneios. Sempre em terceiro lugar, no começo. Levei um susto da primeira vez que cheguei em terceiro. É tão exprimido o tempo e a distância tão apertada, que você só sabe se ganhou quando toca na extremidade da piscina e levanta a cabeça. Nas chegadas em primeiro lugar, o espanto não foi menor.


Profissionalizei-me. Ganhei um emprego raro. E, sobretudo, superei o trauma da traição. Estou super satisfeita na vida afetiva. Meu namorado também nada. O duro é quando, por causa dos torneios, ficamos a quilômetros de distância um do outro.


*ronaldo duran, romancista, colabora com crônicas em jornais brasileiros. http://www.facebook.com.br/