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sábado, 6 de março de 2010

educação - nelson valente

PROCESSO DE "DESPROFISSIONALIZAÇÃO" DO MAGISTÉRIO



A formação de professores no Brasil tem vivido sucessivas alterações e reformulações normativas e, em decorrência disso, têm surgido muitas dúvidas e perplexidades sobre a interpretação da legislação no momento da contratação de docentes. A prática tem demonstrado que as situações de desconforto legal persistem, provocando interpretações variadas e muitas vezes impossibilitando a contratação de professores em regiões carentes de profissionais licenciados.

O assunto tem histórias que se repetem no tempo sem uma posição definitiva, como a Deliberação nº 89, de 17 de junho de 1982, que, entre outras abordagens, concedia autorização precária, por dois anos, para o exercício do magistério nos 1º e 2º graus, para candidatos que não possuíssem, ainda, registro de professor, mas declarações de conclusão em estabelecimento de 2º grau ou de licenciatura em faculdade. Concedia-a, também, para outros que, não reunindo as condições citadas, diante de situações especiais que justificassem uma necessidade, neste caso, com autorização do CEE. Posteriormente, a Deliberação 93/82 criou mais exceções para os municípios com ausência comprovada de cursos de licenciatura de nível superior. Em 1985, a Deliberação nº 114 fortalecia a precariedade da autorização sempre que uma declaração do estabelecimento de ensino e da mantenedora apontasse o candidato que se desejava contratar.
A Deliberação nº 177/92 continuou regulamentando as autorizações precárias, fixando prazos e condições para a contratação de professores não legalmente habilitados. Em 1995, o CEE, em sua Deliberação nº 212, tratou outra vez da questão ao fixar novas normas para a concessão de autorização para lecionar nos 1º e 2º graus, tendo em vista "a comprovada carência de professores habilitados em disciplinas específicas da formação especial", possibilitando que profissionais graduados em nível superior fossem autorizados, precariamente, a lecionar as disciplinas que fizessem parte do seu currículo, com um mínimo de 160 horas de carga horária, agora por um prazo de três anos.


O Parecer CEE nº 139/99 (N) definiu normas para implantação de programas especiais de formação pedagógica de docentes diante da carência de professores habilitados, suprindo esta necessidade, em caráter especial, baseando-se nos termos da Resolução CNE nº 02/97, que dispõe sobre "Programas Especiais de Formação Pedagógica", para portadores de diploma de nível superior e que se relacionavam com a habilitação pretendida. Resolução CNE/CP nº 2/97.

Art. 1º. A formação de docentes no nível superior para as disciplinas que integram as quatro séries finais do ensino fundamental, o ensino médio e a educação profissional em nível médio, será feita em cursos regulares de licenciatura, em cursos regulares para portadores de diplomas de educação superior e, bem assim, em programas especiais de formação pedagógica estabelecidos por esta Resolução. Parágrafo único. Estes programas destinam-se a suprir a falta nas escolas de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial.

A Deliberação nº 256/00 do CEE concedeu autorização precária, por dois anos, a portadores de diploma de Pedagogia, para, sem a devida habilitação, lecionarem na Educação Infantil e, por outro lado, nas quatro últimas séries do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na Educação Profissional de nível técnico, aos portadores de Diploma de Graduação que, no histórico escolar, apresentassem uma carga horária mínima de 160 horas na disciplina que pretendiam lecionar e que não tivessem concluído programa de formação pedagógica.
Finalmente, o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, por meio da Indicação n° 53/2005, de 14 de dezembro de 2005, apresentou orientação ao Sistema Estadual de Ensino do Estado a respeito da qualificação necessária dos docentes para ministrarem aulas de Filosofia, Sociologia, Psicologia, Matemática, Física, Educação Artística e disciplinas da Educação Profissional, tendo em vista a absoluta carência de docentes habilitados, à semelhança do Estado do Rio de Janeiro, observadas as exigências legais, função que caberá à Secretaria de Educação na qualidade de mantenedora das escolas do estado. Vale lembrar que a Lei 9.394/96 - LDB, ao tratar dos profissionais de educação no seu Art. 61, estabelece:


"Art. 61 – A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I – a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;
II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades."


O legislador deixou expressa na lei a figura da experiência prática associada à formação teórica, tratando-se de um princípio orientador para decisões concretas em situações diversas. Os professores de fato são habilitados quando concluintes dos cursos de formação superior, quer de licenciatura ou não, que se capacitam a atuar em áreas do conhecimento; os primeiros, devidamente habilitados em suas licenciaturas e, os segundos, por meio do treinamento em serviço ou em programas de formação pedagógica.
Além da disciplina específica de sua licenciatura, o professor poderá ainda lecionar outras disciplinas que pertençam à mesma área de sua formação. Não se tratando de professor habilitado, a autorização para lecionar dependerá da análise do currículo do interessado pela autoridade responsável no Sistema de Ensino, seja em estabelecimento privado ou a própria Secretaria de Educação, quando para escolas do Estado, que poderá criar formas alternativas de acesso, a fim de, em caráter emergencial, atender aos anseios da população.

Vivemos, portanto, ao contrário do que prega o discurso oficial,um processo de “desprofissionalização” do magistério. Finalmente, após longos cinco anos de solicitações e resistências, o próprio CNE colocou em sua pauta de discussões a discussão da Resolução nº 02/97, que permite aos graduados de qualquer área se licenciarem professores, mediante uma complementação pedagógica de 540 horas, das quais 300 horas como estágio.
Espera-se, com isso, que também seja revisto e revogado o item IV da Resolução, que cria os institutos superiores de educação e que estabelece como um de seus objetivos realizar “programas especiais de formação pedagógica, destinados a portadores de diploma de nível superior que desejem ensinar nos anos finais no ensino fundamental ou no ensino médio, em áreas de conhecimento ou disciplinas de sua especialidade, nos termos da Resolução CNE nº 02/97”.
É bom salientar que a carga horária estudada pelos alunos nas Licenciaturas que precederam a entrada nos “Programas Especiais”, nas disciplinas objeto da habilitação, foi considerada satisfatória pelos professores. Na relação anexa, estão especificadas as cargas horárias das disciplinas estudadas pelos alunos, nas Licenciaturas que antecederam a entrada nos “Programas Especiais”. Pode-se verificar que é atendida a exigência legal de sólida base de conhecimentos na disciplina referente à habilitação pretendida. Conforme dispõe a Resolução 02/97, compete à Instituição verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se:
Resolução 02/97
Art. 2º - ...
Parágrafo único – A instituição que oferecer o programa especial se encarregará de verificar a compatibilidade entre a formação do candidato e a disciplina para a qual pretende habilitar-se”.

A mencionada Resolução enfatiza, ainda, sob o ponto de vista pedagógico, a necessidade de assegurar o caráter interdisciplinar e a integração de conhecimentos. Ora, licenciados aceitos à época, antes que os Conselhos definissem normas restritivas, eram portadores de formação em área afim e intimamente ligada à habilitação oferecida nos “Programas Especiais...”. Daí se pode concluir que não houve incúria das Insituições de Ensino Superior, à época, ao aceitar esses alunos. A redação do texto legal é que gerou a possibilidade de matrícula dos alunos em questão.

Referente à aplicação da Resolução CNE/CP 02/97 historiando a implantação do programa de complementação pedagógica na instituição. A Instituições ofereceram, no ano de 2007, Programa Especial de Formação Pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo de Ensino Fundamental e Médio., "para bacharéis e cursos de licenciaturas". O ofício prossegue dizendo que os egressos dos cursos têm sido impedidos de assumir aulas eventuais e não puderam se inscrever no Concurso Público de Professores promovido pela Secretaria de Estado da Educação e Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Reafirmando que a Resolução CNE/CP 02/97 diz que os programas especiais são destinados a portadores de diplomas de nível superior, em cursos relacionados à habilitação pretendida e lembra que cabia à instituição ofertante encarregar-se de verificar a compatibilidade da formação inicial do estudante em relação à habilitação pretendida. Em seguida, lista alguns dos diplomas apresentados pelos ingressantes no referido programa, alguns deles de licenciatura plena, outros de licenciatura curta e, inclusive, de curso de bacharelado.
Embora não haja uma norma explícita para determinar quais cursos superiores de bacharelado (ou denominação específica) conferem sólida formação teórica a quais cursos de licenciatura, é razoável pensar que a comparação de históricos escolares seja feita e possa identificar conteúdos básicos comuns. É lícito supor que um curso de Engenharia confira sólida formação teórica em matemática, por exemplo, mas ela poderá ser facilmente investigada a partir do estudo da trajetória do estudante. Esta também será a justificativa de invalidar a participação de alunos já detentores do título de licenciatura, dado que obrigatoriamente já deveriam ter tido formação pedagógica, que seria redundante caso a repetissem no aludido programa especial. Não será difícil concluir que a delegação de competência à instituição não lhe conferia poder para habilitar profissionais em áreas genéricas ou impróprias. Neste caso, há que se opor reconhecimento ao ato jurídico praticado e caberá à instituição comprovar, por ocasião do reconhecimento do curso, que sua prática não usurpou a autonomia que lhe fora conferida a pretexto do caráter emergencial que revestia a iniciativa.

Vale esclarecer que, a Resolução CNE/CP 02/97 tinha objetivo expresso de suprir a falta de professores habilitados em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial, procurando seguir a orientação presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/96, qual seja, a de proporcionar via de acesso ao magistério aos portadores de diplomas de cursos superiores distintos de licenciaturas.
Assim, esperar-se-ia que nas localidades onde existisse falta de professores habilitados em Química e Matemática, por exemplo, e houvesse engenheiros químicos e mecânicos pretendendo ingressar na carreira do magistério, seria possível proporcionar-lhes a via de acesso, habilitando esses profissionais para o magistério, inclusive para ingresso regular na carreira, por meio de concursos. Tomava-se como pressuposto que os profissionais detinham sólida formação na disciplina em que desejavam atuar, adquirida em sua formação inicial, o que colaboraria para agregar qualidade à Educação Básica.

A referida resolução não deveria ser utilizada para justificar uma "via rápida" ou "alternativa" aos cursos de licenciatura, dado que seu objetivo era o de conferir habilitação equivalente àquela que legitima o ingresso na carreira do magistério (a licenciatura, de graduação plena), fazendo com que todos os professores tivessem acesso aos planos de carreira do magistério, extinguindo a exótica figura do professor leigo com diploma de nível superior ou até mesmo pós-graduação.


É certo que, além de ter possibilitado uma interpretação inadequada de "via rápida" para formação docente, a Resolução CNE/CP 02/97 acabou sendo utilizada, diferentemente da sua verdadeira intenção, para a "plenificação de licenciatura curta", o que, sem dúvida, trata-se de outra forma inadequada de fazer uso dos seus dispositivos. A esse respeito, a resolução em tela está baseada no Parecer CNE/CP 04/97.


Enfocando este aspecto, faz-se necessário lembrar os problemas desencadeados com a instalação da licenciatura curta nos anos 70, que procurava também atender à falta de professores, mas produziu, e produz ainda, efeitos negativos sobre sua formação, tanto no que se refere à preparação nos domínios específicos das disciplinas científicas, quanto no pedagógico.
Assim, os alunos com diplomas de licenciatura, curta ou plena, que ingressaram em programas de complementação pedagógica não satisfizeram os requisitos do quadro legal de referência. Portanto o ato jurídico sob cujo manto foram realizados não é perfeito, decorrendo daí que seu certificado não gerou direito. Este entendimento está alinhado não apenas com a norma expressa no Parecer CNE/CP 04/97, mas também com a jurisprudência que se firmou a partir do Parecer CNE/CES 741/99 e se fez presente em diversos pareceres, entre eles os Pareceres CNE/CP 26/2001 e CNE/CP 25/2002.
A Resolução CNE/CP nº 2/97, que dispõe sobre os Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes para as disciplinas do Currículo do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional em Nível Médio, em seu art. 7º, estabelece:

Art. 7º O programa a que se refere esta Resolução poderá ser oferecido independentemente de autorização prévia, por universidades e por instituições de ensino superior que ministrem cursos reconhecidos de licenciatura nas disciplinas pretendidas, em articulação com estabelecimentos de ensino fundamental, médio e profissional onde terá lugar o desenvolvimento da parte prática do programa.
§ 1º Outras instituições de ensino superior que pretendam oferecer pela primeira vez o programa especial nos termos desta (sic)...
Cabe o registro da previsão constitucional contida no Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos –, da CF:
Art. 5º. ...
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
A hierarquia do ordenamento jurídico ensina que os atos administrativos regulamentadores não podem escapar ao comando da lei. A Lei nº 9.131/95, de24/11/1995, que criou o Conselho Nacional de Educação, estabeleceu as competências do órgão por seu art. 7º:
Art. 7º O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.
§ 1º Ao Conselho Nacional de Educação, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, compete:
a) subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação;
b) manifestar-se sobre questões que abranjam mais de um nível ou modalidade de ensino;
c) assessorar o Ministério da Educação e do Desporto no diagnóstico dos problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de ensino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus diferentes níveis e modalidades;
d) emitir parecer sobre assuntos da área educacional, por iniciativa de seus conselheiros ou quando solicitado pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto;
e) manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal;
f) analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação educacional, no que diz respeito à integração entre os diferentes níveis e modalidades de ensino;
Ao obrigar todas as instituições de educação superior vinculadas ao Sistema Federal a submeterem ao Conselho Nacional de Educação processo de reconhecimento dos Programas Especiais de Formação Pedagógica de Docentes, por meio de seu art. 7º, § 2º, a Resolução CNE/CP nº 2/97 não violou o art. 10, inciso IV, da Lei nº 9.394/96, que estabelece as incumbências dos Estados. Seria licito mencionar, até mesmo o erro de redação, na LDBEN, envolvendo o artº 9º, inciso IX e o Artº 10, inciso IV, que definem funções para dois poderes diferentes (União e estados), o que deverá ser corrigido por uma Portaria Ministerial, embora seja um remendo lamentável. Como pode uma lei do Congresso ser corrigida por instrumento de menor hierarquia?

É professor universitário, jornalista e escritor. nelsonvalenti@hotmail.com

educação - nelson valente*

QUE SE LÊ POUCO, EM NOSSO PAÍS, NÃO HÁ MENOR DÚVIDA.


(*) Nelson Valente


O assunto é recorrente e retorna, quando estamos às voltas com a revolução da educação, discutindo sua gênese e os seus objetivos. Na educação superior, uma das provas mais importantes e decisivas do exame vestibular é a redação, primeira manifestação dos educadores no sentido de acabar com a prevalência das provas totalmente baseadas na múltipla escolha ( as famigeradas cruzinhas).
A conclusão é óbvia: sem leitura, como escrever adequadamente? O primeiro passo é mesmo a entrega de voluptuosa aos livros, sobretudo os nossos clássicos, sem esquecer os jornais e revistas também podem ser fundamentais.
Criar o hábito ( ou gosto) pela leitura é um primeiro passo que depende basicamente de pais e professores. Há uma idade para isso, que infelizmente para os calouros não coincide com os seus 17 ou 18 anos. Começa antes, na altura ainda do ensino fundamental. Depois, é só alimentar a cabeça de bons produtos, a fim de que persista o interesse.
No vestibular, em geral, caem temas da atualidade. O penta do Brasil no futebol, as forças armadas no combate ao crime, o avanço da Aids, os salários dos professores, a busca da profissão ou a esperança que cerca a vinda de um novo presidente da República. Quem estiver devidamente preparado, com a base que é fornecido por uma leitura constante, não terá dificuldade de desenvolver o tema da prova. Terá desenvoltura e – o que é mais importante – uma riqueza vocabular essencial. A capacidade de expressão vem daí.
Uma saudável epidemia tomou conta da imprensa brasileira. Os grandes jornais publicam alentadas seções de valorização da língua portuguesa, que alguns até ajudam a abastardar com sua crônica e indesculpável falta de cuidado. Quando sai na manchete do jornal que “Ronaldinho marca gol de placa na Espanha”, não há quem se choque com o lamentável cacófato antes que a página seja definitiva impressa?
Em primeiro lugar, pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa e Jânio Quadros. Culpa, quem sabe, da deterioração do nosso sistema de educação básica.
Em segundo, o pouco apreço que devotamos ao gosto pela leitura.
Em terceiro lugar, para não ir muito longe, podemos citar a “contribuição” dos meios televisivos. Donos de uma força descomunal, salvo as exceções de praxe, como os programas gerados pela TV Cultura de São Paulo, praticam um magistral desserviço à educação brasileira. Comunicadores falam mal, atores não se expressam adequadamente, dublagens são feitas de forma chula, programas infantis deseducam - o que se pode esperar desse triste universo?
Sabe-se que temos hoje 19 milhões de analfabetos, 20 milhões de semi-analfabetos e 40 milhões de analfabetos funcionais – o iletrismo ( são aqueles que aprenderam a ler e não leem) . Pela definição da Unesco, “iletrado pode ser o que aprendeu a ler e a escrever, mas perdeu a prática, ao ponto de não poder mais compreender um texto simples relacionado à sua vida cotidiana”. É o fenômeno do iletrismo, que se distingue do analfabetismo, que é a não-aprendizagem da leitura e da escrita.
Que se lê pouco , em nosso País, não há menor dúvida. Nossa média é de menos de dois livros por habitante. Nos países desenvolvidos é de 6 ou 7, como acontece na França e na Alemanha. Temos uma longa caminhada nessa área, até chegar, por exemplo, perto do que ocorre nos Estados Unidos, onde o consumo “per capita” de livros é de 10 por ano. Será que um dia chegaremos lá ?
O curioso é que, vez por outra, aparece algum vereador interessado em ensinar às nossas crianças a biografia dos homenageados, o que, aliás, é uma boa ideia. Pelo menos um resumo poderia ser colocado na primeira placa de rua. Se isso é de grande utilidade, mais importante ainda é escrever os nomes de maneira correta. Respeitar a nossa língua é uma forma de fazer educação.
Concluindo, o brasileiro está oco. Não é só a ideia da religião, da crença em Deus ou em determinada igreja. Mas está ligado ao pensamento abstrato, à filosofia, ao homem pensando em sua sorte, de onde veio, para onde vai. Essa carência prejudica a cultura geral do indivíduo, porque o homem é essencialmente linguagem. O brasileiro está oco com a língua portuguesa.
Se o jovem não se der bem no vestibular, não há de ser nada. De toda maneira, terá lido alguns dos nossos melhores livros. O que é sempre saudável.
Portanto, há um enorme desafio para reverter esse quadro, exigindo maior atenção das pessoas responsáveis deste País.


*Professor universitário, jornalista e escritor. nelsonvalenti@hotmail.com>

crônica - ronaldo duran*




COLETOR DE LIXO DO LUXO






Desceu do coletivo lotado. No rosto amassado pelas cobertas, tinha aparência de quem acabou de acordar. Na boca, o hálito de pão com manteiga e café. O corpo magro ajuda na agilidade para transformar cada passo em quatro de um caminhante comum. Atravessa apressadamente avenidas, ruas, e faixas de pedestre. Não que seja hábito atrasar-se, mas hoje não deu para evitar.




Lá, estava a empresa. “Corre lerdo”, o motorista bradou, e ele não teve tempo para conferir se a expressão era brincadeira ou denotava irritação pelo atraso de cerca de meia hora. Bateu o cartão. Vestiu a roupa em frações de segundos. Correu para alcançar o caminhão já do lado de fora. Pulou e agarrou-se ao apoio de ferro no qual costumava ir dependurado do momento que saía da garagem até o instante em que retornava. Claro, exceto nos momentos que corria nas ruas, pegando os sacos pesados ou leves de lixo.



A área de atuação de sua equipe era na zona sul. A empresa localizada noutro canto da cidade proporcionava um passeio de vinte ou mais minutos para alcançar o destino. Atingido o ponto, descia animado do caminhão. Pega os sacos, e os carrega com uma nítida expressão de prazer estampada no rosto. Nem sempre foi assim, é bom frisar. Exatamente quando passou a compor a equipe de coleta seletiva do lixo, é que se animou. Agora, recolheria lixo do luxo, o lixo reciclável. Estaria livre da fedentina, do mau cheiro emanado de restos de comida, fraldas descartáveis, fezes e urina de gato ou cachorro...



Quase uma década na Urbam. Muita batalha, muitos sacrifícios. Não estava reclamando. Entrara na prefeitura. Ela lhe proporcionara uma vida digna. Convênio médico, vale alimentação, creche para os filhos, além de um salário que embora não desse para supérfluos, o ajudara erguer uma casinha no bairro que passara toda a adolescência. Conseguiu casar, constituir família.



Mas era dose suportar o mau cheiro o dia inteiro que parecia entrar na carne, impregnar a alma. Sorte que veio a invenção do lixo reciclável. Melhor ainda, que a empresa adotou.



Todos desejam conquistar o que é bom. Como a sorte vivia se esquivando dele, pensou que jamais teria oportunidade na vaga disputada”. Quando viu seu nome na escala, nem acreditou. “Se você não quiser, pode falar...” disse o chefe. No que ele prontamente respondeu . “Quero sim...”



Se caso alguém gritasse: “oh, cheiroso”, frase ouvida às vezes da boca de moleques ou pessoas desprezíveis que gostavam de provocar o coletor de lixo, ele certamente riria de satisfação.



*Ronaldo Duran, romancista, colabora neste espaço. E-mail: contato@ronaldoduran.com

crônica - ronaldo duran*

O SUCESSO QUE AMEDRONTA
Não saberiam dizer se o que aconteceu com eles, três integrantes de uma banda de rock nacional, é regra para todos que atingem a fama. Nos primódios, lá no fundo da garagem, discontraídos, descolados, nem aí para as convenções. Basta relembrar os xingos que levavam quando dos ensaios na quadra do condomínio ou no quarto às portas fechadas do apartamento. “Que barulho... Filhos da p. Vão tocar nos quintos do...”, berravam os mais exaltados, provavelmente por causa do descanso detonado.
A irreverência vinha nas letras, nos acordes. O grupo trazia nas costas a nova empreitada, fazer música de qualidade sem fricotes, popular sem ser apelativa, no pós ditadura. Fizeram o melhor dentro do possível. A crítica caindo em cima. Eles lotando pátio de escolas, clubes ou areias no litoral brasileiro.
Da garagem, uma gravadora gostou do material na fita cassete. Meses depois estourando nas rádios. Mal acreditavam que a melodia saiu deles. A vizinhança que os humilhava, agora os endeuzando. Tá, tinha os que não davam o braço a torcer: “hoje em dia o povo não sabe o que é boa música”. A crítica vinha, mas no Brasil, crítica é mais para quem ler jornais, revistas. O povo gritando o nome deles quando passavam na rua.
A lua de mel com o sucesso durou temp o limitado. Pintou a crise. O assédio demasiado. Claro, dois namoros de longa data não resistiram às investidas das fãs sedentas, nem dos instintos poligâmicos dos garotos. Quem sofreu mais foi o vocalista. Era fiel. Amava de verdade a namorada. Sorte que depois de tornados e furacões, se reconciliaram. Melhor, eles conseguiram ficar junto de verdade, quando o grupo rachou, a fama titubeiou e quase o álcool e as drogas empurram os integrantes da banda para o fosso.
O capítulo das drogas e álcool surgiu em parte por causa do tumulto, do alvoroço que a fama trouxe. Por mais descolados que eram, houve um baque quando os olhares se voltaram para a música que queriam divulgar. Engraçado. Quando no anonimato, lutando por espaço, o tempo fluía mais ou menos num ritmo seguro. Dedicavam dias e noites para alcançar o melhor som, melhor técnica. Deixavam as namoradas, declinavam dos convites para beber no barzinho. Quantos sábados, domingos, feriados e férias enfurnados num cubículo perseguindo o aperfeiçoamento?
Quando o reconhecimento chegou, quando as rádios cederam, as bocas repetiam os refrões, os rapazes se assustaram. Ficaram sem rumo. Medo da exposição de seus rostos, corpos, sonhos, falhas. Agenda lotada sobrecarregando-os física e mentalmente. Veio a fuga para as drogas. Passado o alvoroço de ontem, recordam hoje o que foram. Ora, querendo mudar o que fizeram, ora apenas reviver a emoção da novidade.


*ronaldo duran, escritor. Twitter.com/ronaldoduran_