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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - GUARDETE

GUARDETE*


Certos hábitos adquiridos em serviço nos deixam constrangidos em outras situações. Aí vem o vexame. Como guardete de uma empresa, tenho, entre minhas tarefas, a de revistar as bolsas das mulheres que adentram na firma.

Não é a profissão que eu pedi a Deus. Nada de dizer no fim do expediente: oh, que prazer que me deu ter vasculhado as bolsas, bolsos, apalpado os corpos, na caça de algo suspeito.

Mas é meu ganha-pão, e, apesar da falta de reconhecimento, gosto do que faço e procuro não ser uma funcionária relapsa, cumprindo à risca o que meus superiores imediatos me solicitam para o melhor andamento do serviço.

Se o reconhecimento é raro, pior é quando levamos uma bronca por uma suposta ou real falha. Basta um comunicado da gerência patrimonial alegando o sumiço de um objeto, para a bronca nos açoitar. O clima na nossa área é sugestionado por notícias que relevem desaparecimento de objeto na empresa.

Os guardas por terem sido advertidos ficam mais rígidos na revista. Os funcionários observando esta rigidez, por vezes, rebelam-se, com direito até baixaria por parte dos mais exaltados.

Antes de ser guardete, eu tinha uma aversão pela figura do segurança. Achava-o uma estátua. Ali parado, as horas passando, as pessoas agindo. Chuva, sol, nuvens, e ele como uma múmia. Assim era nos bancos, nos postos de saúde, à frente da portaria de empresas. Eu ficava irrequieta. O que me aliviava era o desejo de jamais ser um deles. Nunca diga que desta água não beberá.

Engravidei, larguei o ensino médio. Virei mulher, dona de casa e mãe. Trabalhara antes, mas apenas para comprar coisas para mim. Meu marido, ah, um guarda. Nem vou dizer como conheci um guarda, muito menos como fui casar com ele. O que me importa é que eu o amo e o admiro. Talvez por isso, prestei exames e vim a ser guardete na empresa onde ele trabalhara.

Do que eu estava falando no início desta sessão nostálgica? Ah, sim, me lembrei. Do vexame de certos hábitos fora de contexto. O hábito de revistar as bolsas das funcionárias me deixou sem graça no supermercado. Lá estava eu, fazendo compras de mês para minha família. A fila morosa. Nisso uma mulher abre a bolsa para pegar o talão de cheques. E eu enfiando minha cara. Quase minha mão acompanha a curiosidade e entra na bolsa... Ainda bem que não.

Buscando safar-me do mal-entendido, pedi desculpas e disse que era hábito do serviço de guardete. Claro, as caras de dúvidas não foram poucas. Paguei minha conta e segui para casa, querendo me enfiar num buraco debaixo da terra, de tanta vergonha que estava.

Escritor Ronaldo Duran, cronista e romancista. www.twitter.com/ronaldo_duran