Páginas

sábado, 2 de maio de 2009


PEDAGOGIA POLÍTICA


por marcio masella e roberta braga capalbo*


Quando pensamos em ser humano é fundamental considerar que somos seres condicionados e não determinados. Isso significa dizer que ninguém nasce pronto e com características de ser pré-determinadas. O ser determinado significaria uma não possibilidade de mudança. Nos fazemos no mundo, somos condicionados, capazes de nele intervir, construir, transformar, decidir. Fazemos parte do mundo. Ao nos colocarmos como tal somos também construtores da história e isso nos torna, eminentemente, seres políticos.


“Somos, antes de mais nada, construtores de sentido, porque, fundamentalmente, somos construtores de nós mesmos(...)”[1]


A partir desta consideração de Cortella, percebemos que o fazer da prática nos faz refletir as ações que envolvem a tomada de consciência de que somos, antes de mais nada, agentes de nós mesmos. O educador em sua prática pedagógica está constantemente construindo pilares de sustentação para uma ação-reflexão-ação.


Não há ação, consciente ou não, que não traga sua concepção política inserida. Não há ações neutras. Agimos sempre de acordo com nossos valores, nossas crenças, concepções e bagagem de cultura que nos permitem intervir desta ou daquela maneira no mundo.


Berthold Brecht afirma que não há pior analfabeto do que o analfabeto político. Segundo Brecht sua ignorância não decorre da incompreensão dos símbolos gráficos que, articulados, formam palavras, mas da sua ignorância quanto à compreensão de que a totalidade das relações que vivencia em sociedade são políticas. E que, portanto, do preço do pão ao acesso às atividades de entretenimento, das relações de vizinhança às relações familiares, todas são marcadas pela política. Por conseqüência, segundo Brecht, ignorar a política é ignorar, na essência, a compreensão da totalidade das relações que todo ser humano sociabilizado vivencia nas suas mais abrangentes expressões sociais, sejam elas profissionais, afetivas, econômicas, religiosas, familiares, etc.. Paulo Freire, em seu livro Conscientização[2], traz ainda, a idéia da alfabetização política como prática de domesticação dos homens ou como prática libertadora, sendo que no segundo caso a liberdade é uma conscientização de si mesmo.


É, pois, deste instigante ponto de partida, que a política é compreendida como uma prática social múltipla e cotidiana, que se insere na realidade de todo e qualquer homem.


Mas o que é política? O termo política tem, no mínimo, duas grandes vertentes interpretativas das quais decorrem definições mais precisas: a primeira, que deve sua expansão principalmente à obra intitulada Política de Aristóteles[3], concebe a política como toda prática social que envolve a vida na polis (cidade-estado grega). Ou seja, ao público, ao civil, ao sociável; a segunda vertente, mais familiar ao senso-comum, refere-se aos estudos e práticas mais diretamente relativas ao Estado. Obviamente, Brecht encaixa-se na primeira vertente, que, assim como Aristóteles, entende que o homem é, por natureza, um animal político e que, portanto, a política não está restrita às questões do Estado, pelo contrário, é muito mais abrangente.


É a partir deste contexto que a Pedagogia Política é compreendida como uma prática social múltipla e cotidiana, que se insere na realidade de todo e qualquer homem sociabilizado.
(...) é neste sentido também que, tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra quê, desenvolvemos a atividade política. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais percebemos a impossibilidade de separa o inseparável: a educação da política.[4]


Paulo Freire, que foi na contramão do tecnicismo que vem acontecendo na área da educação, não admitia educação como método ou técnica neutra. Ele nega esta neutralidade. Para ele a educação é ato político.


As principais questões teóricas e metodológicas da educação necessitam ser colocadas para o estudo e a compreensão da realidade social. Compreender, analisar, criticar e explicar os fatos, as estruturas e os processos sociais são desafios que estão colocados no cotidiano de todos nós, educadores.


Um conjunto de saberes pedagógicos, um compromisso, uma postura. Temos que constituir uma nova cultura pedagógica que represente o povo brasileiro. A educação viria, então, para “resolver estes problemas”[5]. Esta cultura política dominante invadiu a cultura pedagógica.


Falamos em educar para a cidadania consciente. Pode nos guiar a idéia de que o povo tem falsa consciência ou que ele é, lamentavelmente, inconsciente.


Consciência, em Paulo Freire, é algo muito mais totalizante. Não vem de fora. Está atrelada às práticas culturais e políticas vivenciadas na produção da existência. A obra de Freire em que expressa, com força, sua visão dos processos educativos tem como título Pedagogia do Oprimido. Este é o sujeito da pedagogia. A ação pedagógica é do oprimido. Esta visão se contrapõe à negativista, inculta, ignorante, inconsciente do povo, tão enraizada na política e na pedagogia.


A educação é uma prática política ao manifestar e instituir concepções de sociedade, de relações (individuais ou de grupos de classe), de divisão social do trabalho.


Entre os teóricos da educação brasileira, além de Paulo Freire, que se preocupam com a interação entre educação e política ao longo da construção de seus respectivos discursos pedagógicos, destaca-se Demerval Saviani[6]. Ambos advogam a indissociabilidade entre as práticas educativas e a política.


A prática e a teoria educativa não contém apenas aspectos políticos, mas revela-se política integralmente nos seus mínimos instantes e detalhes. Os conteúdos programáticos escolares, por exemplo, revelam escolhas, opções e preferências sociais, culturais e ideológicas, mesmo quando proclamam o contrário e tentam efetivar-se como neutralidade científica. Os professores trabalham esses conteúdos conforme sua visão de mundo, idéias, práticas, representações sociais, seus símbolos e signos. Os alunos constroem conhecimentos, filtrando-os ou não, também conforme suas escolhas e preferências, embora tanto o educador quanto os alunos sigam normas sociais escolares. Estas, por sua vez, são ditadas segundo determinações opções, escolhas. E assim, de modo sucessivo, nas múltiplas relações escolares estão presentes, em todos os seus momentos, a inseparabilidade e as especificidades da educação e da política.


Conforme Saviani, a especificidade da política está no “vencer”, enquanto a pedagógica está no “convencer”[7]. Mas como nesta visão o “vencer” político passa necessariamente pelo “convencer” pedagógico, se faz com que a política seja permeada pela pedagogia. Ao mesmo tempo o “convencimento” pedagógico constitui pressuposto para a “vitória” política, ou seja, toda pedagogia implica um ato político.


O ato pedagógico proporciona ao homem muito mais que a simples alfabetização, pois através da discussão dos problemas locais, regionais e nacionais, torna-o mais crítico e leva-o, posteriormente, a se conscientizar e a se politizar.

“(...)Não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade da educação.”

O educador no seu fazer pedagógico precisa assumir o espaço educativo como um ambiente de relações sociais, onde a realidade se expressa na construção de idéias que se colocam conflituosas, contraditórias e que se concretizam na formação da prática política.


Ao assumir este fazer político pedagógico consciente, o educador, de fato, trabalha na perspectiva de convencimento em prol da necessidade de uma ação contrária, tornando o sujeito libertador da prática do opressor.


“Acho que o papel de um educador consciente progressista é testemunhar a seus alunos, constantemente, sua competência, sua amorosidade, sua clareza política, a coerência entre o que diz e o que faz, sua tolerância, isto é, sua capacidade de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a crítica, a curiosidade, a pergunta, o gosto do risco, a aventura de criar.”[8]

[1] CORTELLA, Mário Sérgio. A Escola e o Conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 7ed.São Paulo: Cortez, 2003
[2] FREIRE, Paulo. Conscientização:teoria e prática da libertação:uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001

[3] ARISTÓTELES, Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
[4] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.27,1987
[5] Aqui a frase aparece entre aspas para enfatizar nossa crença de que a educação pode muito, mas não pode tudo.
[6] Conscientização:teoria e prática da libertação:uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001

[7] Entendido como uma busca coletiva pelo ser mais, capaz de desafiar os sujeitos para um compromisso transformador
[8] FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade.. São Paulo: Cortez, 2001

Gag


por Nelson Valente*


Robert Mills Gagné nasceu em North Andover, Massachusetts, em 1916. Obteve o grau de Mestre na Universidade de Yale e o Doutorado, em psicologia, na Universidade de Brown. Desde 1969 é professor na Universidade Estadual da Flórida.


Considerado neobehaviorista, Gagné situa-se entre os pesquisadores interessados na tecnologia educacional, isto é, na aplicação dos princípios da ciência da aprendizagem aos problemas práticos do ensino.


Gagné define aprendizagem como uma modificação na disposição o na capacidade do homem, modificação esta que não pode ser retirada ou simplesmente atribuída ao processo de crescimento.


O autor apresenta oito tipos de aprendizagem, hierarquicamente situados:


Aprendizagem de sinais


Aprendizagem estímulo-resposta


Aprendizagem por encadeamento motor (ou em cadeia)


Aprendizagem de associações verbais


Aprendizagem de discriminações múltiplas


Aprendizagem de conceitos


Aprendizagem de princípios (ou regras)


Aprendizagem de resolução de problemas.


Cada um dos tipos de aprendizagem apresentados por Gagné inicia-se a partir de um ponto diferente de habilidade interna e demanda uma situação diferente para se realizar eficientemente.


Para que a aprendizagem ocorra há que existir os seguintes elementos:


aprendiz


situação estimuladora


respostas (ou performance) dadas pelo aprendiz



Aprendizagem de sinais


Tipo involuntário de comportamento que pode ser prontamente adquirido em conexão com determinado sinal. Caracteriza-se por respostas gerais, difusas e emocionais.


É o conjunto de condições apropriadas para o estabelecimento de uma resposta condicionada.



Aprendizagem estímulo-resposta


Tipo de aprendizagem que compreende a execução de movimentos musculares muito preciosos e a resposta a estímulo ou combinações de estímulos muito específicos – “respostas voluntárias”.


Aprendizagem por encadeamento motor (ou em cadeia)


Tipo de aprendizagem que envolve uma determinada seqüência ou ordem de ações. Cada ato isolado da cadeia, é algo que já foi aprendido. A questão é fazê-lo convenientemente.


Uma cadeia não pode ser aprendida sem que o indivíduo seja capaz de executar cada elo separadamente.



Aprendizagem de associações verbais


Refere-se à aprendizagem de associação entre pares de palavras ou sílabas, como também a aprendizagem de seqüências verbais mais longas.


Aprendizagem de discriminações múltiplas


O indivíduo aprende a dar n diferentes respostas identificadoras em relação a diferentes estímulos que, no entanto, devem-se assemelhar fisicamente em maior ou menor número.


Relaciona-se, essencialmente, ao estabelecimento de um certo número de cadeias diferentes.



Aprendizagem de conceitos


Adquirir noção de “sistema”.


A pessoa que aprende adquire a capacidade de dar uma resposta comum a uma classe de estímulos que podem diferir uns dos outros, de maneira mais profunda, quanto à aparência física. Assim, ele se torna capaz de dar uma resposta que identifica toda uma classe de objetos ou fatos.


Aprender um conceito significa aprender a responder a estímulos em termos de propriedades abstratas, tais como: forma, cor, número etc.


Aprendizagem de princípios (ou regras)



Princípios são cadeias de conceitos que constituem o que geralmente se denomina conhecimento. A aprendizagem de princípios significa a apreensão de todas as relações possíveis entre os conceitos.


Aprendizagem de resolução de problemas



A resolução de problemas é um tipo de aprendizagem que requer elementos internos habitualmente chamados de pensamento. Dois ou mais princípios anteriormente adquiridos são combinados de maneira a formar uma nova capacidade.


Gagné afirma que “a especificação de objetivos comportamentais deve ser baseada a partir de uma análise hierárquica que proporcione diferentes tipos de aprendizagem tais como: discriminação, encadeamento, conceituação, solução de problemas etc. Para cada um desses tipos de habilidade deve-se estabelecer objetivos da maneira mais clara possível”.


O processo de instrução tem quatro funções principais:tornar possível ao aprendiz identificar o que se espera dele no final da aprendizagem;possibilitar a identificação dos elementos de uma situação estimuladora;aumentar a probabilidade de o aprendiz relembrar as informações, habilidades que lhe são apresentadas;guiar o pensamento promovendo a aplicação de set de aprendizagem e facilitar os conhecimentos.


(*) é professor universitário, jornalista e doutor em Comunicação.

POR QUE QUASE TODOS OS CRIMINOSOS SÃO HOMENS? Parte III[1]


Por que algumas mulheres cometem crimes?


Satoshi Kanazawa[2], 10/07/2008.



Nos últimos dois posts (parte I e parte II), explico a lógica psicológica evolutiva por trás da criminalidade masculina, o porquê de os homens em sociedades polígamas serem compelidos a se envolverem em crimes contra pessoas e contra a propriedade a fim de obterem o acesso reprodutivo às mulheres. Ainda que a maioria esmagadora dos criminosos em todas as sociedades humanas sejam homens, há algumas exceções - algumas mulheres cometem crimes. Dada a lógica psicológica evolutiva, entretanto, por que as mulheres cometeriam crimes?

O psicólogo evolucionista que mais tem trabalhado para explicar a criminalidade feminina é a professora Anne Campbell, da Universidade de Durham, no Reino Unido. Ela oferece a teoria “ficar viva” para explicar a criminalidade feminina. Sua teoria começa com a observação basilar de que a sobrevivência da prole, e por consequencia o sucesso reprodutivo, depende mais pesadamente do cuidado e do investimento materno do que do paterno. É, portanto, imperativo para as mães, mais do que para os pais, sobreviver o suficiente para fornecer os cuidados físicos a sua prole, assegurando dessa forma sua sobrevivência até a maturidade sexual. Por isso, Campbell discute, as mulheres são mais avessas aos riscos do que os homens. O benefício potencial de assumir riscos – envolvendo-se em competição física por recursos e companheiros, por exemplo -- simplesmente não justifica o custo potencial (a sobrevivência mesma da prole, bastante articulada à própria sobrevivência da mãe). Assim, o objetivo fundamental de uma mulher é permanecer viva para suas crianças.

Campbell nota, entretanto, que ocasionalmente as mulheres precisam competir por recursos e companheiros, especialmente quando são escassos. Eis porque as mulheres competem às vezes por “poucos bons homens” e podem até recorrer à violência e ao roubo para conseguir seus objetivos, mesmo que, coerentes com seu objetivo primeiro de ficarem vivas, suas táticas de competição sejam geralmente de baixo-risco (furto e não roubo, que envolve ameaça ou violência) e indiretas (espalhar boato negativo sobre uma rival em questões românticas, pelas suas costas, ao invés do confronto físico direto com a rival).

Em seu trabalho mais recente, Campbell vai mais longe à integração teórica da criminalidade masculina e feminina. Argumenta que os homens e as mulheres não diferem quanto aos benefícios da agressão: os homens de elevado status que são vencedores da competição masculina podem ter acesso a companheiras, e assim a mais oportunidades de sexo, mas as mulheres de elevado status que são vencedoras da competição feminina podem ter prioridade de acesso aos recursos e à maior proteção concedida por homens de elevado status. Ou seja, Campbell argumenta que mulheres devem competir por companheiros de alta qualidade tanto quanto os homens. Portanto, é somente o custo da agressão que distingue homens e mulheres, explicando a incidência bem mais baixa da agressão entre mulheres.

Campbell indica que o “furto por mulheres geralmente está atrelado às necessidades econômicas e ocorre como parte de suas responsabilidades domésticas por suas crianças”, ao passo que o “roubo é um crime masculino quintessencial, em que a violência é usada para extrair recursos e também para ganhar status”. Aparte sua tendência e inclinação em evitar, de modo geral, riscos e perigos físicos, esta é outra razão pelas quais as mulheres cometem menos crimes do que os homens. As mulheres roubam somente o que precisam para que elas e suas crianças sobrevivam, enquanto os homens roubam para se exibirem e obterem, além dos recursos, status. Ou seja, as mulheres roubam menos do que os homens exatamente porque obtém menos do que eles. As mulheres lucram geralmente menos do que os homens porque tendem a fazer somente o necessário, e geralmente têm coisas melhores a fazer do que ganhar dinheiro, enquanto que os homens são motivados a obter bem mais do que necessitam para sobreviver a fim de usar o dinheiro para atrair mulheres. Similarmente, as mulheres roubam menos do que os homens porque tendem a roubar o que precisam para sobreviver e não usam o crime para outras finalidades, como se exibir e ganhar status.

Concluirei esta série com o post seguinte, mostrando um ‘causo’ pessoal que ilustra perfeitamente o ponto apresentado por Campbell.



Pesquisa e tradução: Marcos Brunini (marcosbrunini@yahoo.com.br)
São Paulo – SP, janeiro de 2009.


[1] Why are almost all criminals men? Part III, disponível em http://blogs.psychologytoday.com/blog/the-scientific-fundamentalist/200807/why-are-almost-all-criminals-men-part-i, acessado em 06/01/2009

[2] Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista, leciona na London School of Economics and Political Science e é coautor (com Alan S. Miller) de Por Que Homens Jogam e Mulheres·Compram Sapatos - Como A Evolução Molda Nosso Comportamento. Rio de Janeiro: Prestigio Editorial. 2007.

ivan de carvalho junqueira

SOMOS TODOS IGUAIS



Ivan de Carvalho Junqueira*



O chamado racismo, infelizmente, persiste. Filho do ódio, primo da arrogância e ignorância, insiste. Ganha fôlego em nossa sociedade, a qual de há muito se pretende branca, rica e sexista, à manutenção dos tais estereótipos que, há quinhentos anos ou mais, vêm nos atormentar, no andar de cada dia ou na sra. televisiva. Hipócritas, teimamos em dizer que, por suposto, diminuira. Afoitos, tratamos logo de nos isentar, desconstruindo mitos e falas (que, por fração de segundo, entala...) a, sem dúvida, ainda que no repente, também nos culpar. Expressões, não obstante corriqueiras, hão de, cedo ou tarde, nos entregar. Ao pé da letra, reproduzem muito do que, no íntimo, acreditamos e, assim, apartamos. Mas, por que não cessar?



Raças? Ora, inexistem raças! Afinal, só existe uma: a humana. Há, sim, diversidades e que, por sinal, são muitas, imensuráveis. De etnia, cor, credo, convicção política, partidária ou filosófica, ao livre exercício da sexualidade, ainda que diante de toda essa adversidade a, décadas e décadas, nos sufocar.



Um brinde ao 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, à tentativa de nos humanizar, ao término de mais uma guerra a revoltar. Assim, cabe-nos, uma vez mais, máximo respeito e, lembremo-nos, por favor, de que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Art. I).



Mas isto, apenas, não nos basta. Que nossas atitudes e ações possam, de fato, reproduzir mudanças efetivas, comportamentais. Sempre de coração, jamais por conveniência quando da perda de nossa pseudoinocência.



Repudiemos, portanto, toda e qualquer forma de violência. Ela igualmente nos diz respeito, nos agride e não apenas quando na figura do “outro” a quem habitualmente nos referimos, de modo simples e corriqueiro, como apenas o “outro”, à justificativa de nossa passividade e omissão que, a propósito, caminham juntas e nada mais são que, numa só palavra, “aceitar”, quão uma carta a discriminar.



Lutemos pelo reconhecimento, concretamente, dos direitos dos negros, das mulheres e dos silvícolas, dos direitos das crianças e dos adolescentes, além dos idosos. E daqueles milhares, quase esquecidos, “invisíveis” a grande maioria, segregados do convívio social, recolhidos... Respeitadas as particularidades, acima de tudo irrenunciáveis, traduz-se em anseio coletivo, cujas prerrogativas, fundamentalmente, adstritas são a todos e a cada qual de nós.



Que chegue o dia, como já dizia Luther King Jr., que “meus filhos vivam num país em que não mais sejam julgados pela cor de sua pele e, sim, pelo conteúdo de seu caráter”.



Continuemos a lutar e lutar, com determinação a não mais segregar, até o último segundo de nossas vidas, que um dia se expira, no dia e ano que começa e termina mas, também, nos muitos outros que se avista.

*Bacharel em Direito, agente educacional da Fundação Casa/SP. Seu mais recente livro publicado é: “Do ato infracional à luz dos direitos humanos”.

domingo, 26 de abril de 2009


MALAS PRONTAS



por ronaldo duran*


ACOSTUMADOS a bater continência e plena consciência da hierarquia, sequer tinha notado o rosto do capitão de fragatas Sr. Dirceu Tamandaré da Silva, meu instrutor de maquinaria. Foram quatro anos na Escola Naval, sem intimidade. Temos tantas atribuições, conteúdos a digerir, exercícios físicos que nos deixam exaustos, que raramente nos apercebemos da hierarquia que aos olhos dos civis parece abominável.



DUAS semanas para a colação de grau. Quantas noites em claro, tormentos. Contando o Colégio Naval, são sete anos na pele de cadete. Sim, lá na Praça Mauá, Praça XV, onde se concentram os soldados, cabos, sargentos, eu sentia na pele o que era ser invejado. Para eles, eu era o riquinho, o cheio de mordomias. Para eles, eu era o que a maioria dos jovens de Ipanema e Copacabana é para os garotos de Bangu e Realengo.


APESAR de o ego inflar, sei que tudo que conquistei foi com muito esforço. Nada de mão beijada. Quase um ano indo de Bangu a Cascadura, para o cursinho Pré-Militar Tamandaré. Levava marmita. Acordava cedo. Muita cotovelada no ônibus. Fins de semana e feriado, os colegas da rua azarando na praia, festas e eu enfiado nos livros. Eles babando nas gatas e eu nos nauseabundos exercícios de física e química.


SR. Dirceu me despertou. O pôr do sol, a Avenida Brasil. Os carros, os ônibus lotados. As pessoas autômatas. Ele segredou: “A única certeza da vida é que a morte vem nos buscar. Bom que estejamos com as malas prontas”. Menos de uma hora de conversa vaga. Quem sabe a frase saiu sem qualquer pretensão, apenas o de estar pronto para partir desta vida a qualquer hora. Daí policiar as atitudes, para na hora de prestar contas a Deus ter a consciência mais limpa possível?


PODE ser. Para mim, contudo, soou impactante. Revisar a ambição que por vezes me mergulha numa fútil rotina, na louca corrida para o mesquinho prazer. Aí tudo pára: o status, o carro novo, a casa grande, inclusive a cegueira religiosa ou ideológica. Tudo cessa no instante que o trem da morte chega e só nos resta pegarmos a mala, nossa consciência de atos cometidos, e adentrarmos nele, seguindo viagem sabe lá para onde.


DAQUI a pouco estarei à frente do Sr. Presidente da República Federativa do Brasil o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. O protocolo e a pompa marcarão presença na formatura dos cadetes da Escola Naval em 1994. Jurarei a bandeira. Erguerei minha espada. Serei oficial da Marinha. Sonho antigo. O terreno lá na Barra da Tijuca que há três anos venho pagando, quitarei. O ditado do Capitão Dirceu me acompanhará, um pouco a contragosto, nesse momento que deveria ser exclusivo de felicidade.

* Romancista e contista, colabora com crônicas neste jornal toda semana. Contato como autor: ronaldo@ronaldoduran.com


O que estou lendo?

The Gold Coast by Nelson Demille ( romance em inglês)
REFERENCIAL TEÓRICO Parte II


por marcio masella e roberta braga capalbo*


Quando iniciamos a discussão sobre a relação entre política e educação nosso primeiro embasamento foi, sem dúvida, Paulo Freire, uma vez que trouxe à tona a discussão do que ele declara como a ‘politicidade’ da educação. Este, em principal, e outros conceitos como consciência, cidadania, humanização, ideologia, apontados por Freire, norteiam a nossa análise em torno da necessidade indiscutível da consciência política nas práticas pedagógicas e sociais.


Para ampliar a discussão outros autores complementaram nossa análise como Demerval Saviani, que aponta a diferença e complementação entre o “vencer” político e o “convencer” educacional, que discorreremos no texto.


Berthold Brecht contribui com apontamento da idéia de analfabeto político e do caráter das relações sociais.


Recorremos ainda à Aristóteles em sua obra Política, buscando clarear esta definição, separando a política enquanto conceito e a política enquanto atividade.


Mário Sérgio Cortella, em seu livro a “A Escola e o Conhecimento” discute a não neutralidade e a construção de sentido e de si mesmo que o ser humano exerce. Esta análise nos entrelaçou aos conceitos de Freire apontados acima, enriquecendo a reflexão.


Todos estes autores iluminaram nossa discussão, reflexão e análise, permitindo-nos, inclusive, refletir sobre nós mesmos, ampliando e nos auxiliando na construção de novos conceitos.



OBJETIVOS E METODOLOGIA

Este artigo visa desenvolver a indissociável relação entre educação e política. A educação sempre é pauta de discussões que visam analisar sua eficácia, eficiência, qualidade e tantas outras questões que ela suscita. Desde Paulo Freire a discussão sobre o caráter político da educação e sua interferência na realidade social vem crescendo. Em nossas pesquisas este aspecto é de relevante importância e base de toda nossa discussão, que perpassa, inclusive, pela necessidade de conscientização do ato educacional como político. Pretendemos assim abordar a política no âmbito da formação / conscientização do educador.


Isso significa dizer que acreditamos que é a partir da tomada de consciência política da sua ação educativa, que a prática do educador passa a ser pautada em uma concepção de educação que vise a cidadania e ação social transformadora. Toda postura educacional, consciente ou não, é, fundamentalmente, política. E é através desta conscientização que se constrói efetivamente uma prática educativa coerente. É sendo que se ensina e se aprende a ser.


Para a realização deste artigo, desenvolvemos a pesquisa teórica, que nos auxiliou na construção de conceitos. Trabalhamos com textos específicos ao tema: política e educação, e textos que pudessem amparar essa construção, enriquecendo e situando-a num contexto claro de atuação.


* Mestrandos em Educação pela PUC São Paulo.