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sábado, 28 de março de 2009

BEM-VINDOS

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Começamos nossa caminhada histórica com a crônica do romancista Ronaldo duran.
Atenciosamente,
Equipe Editorial






FRALDA GERIÁTRICA

por ronaldo duran*


SETE HORAS. Já está noite. O tempo gelando. Começo de outono, mas meu corpo reclama como se fosse inverno bravo. E vendo as pessoas em sua maioria com roupa cavada, quase me sinto deslocada. Sim, a idade. Depois de completar mais de oitenta anos, ficamos como fora do ninho. É um calor acima da média, ou um frio fora do comum. Ao pegar o pente na gaveta da pia, vejo meu rosto no espelho. Por mais que tente me conformar, a idade avançada se traduz em deformação.
O BANHO FOI TRANQUILO. Saio para sala. E um quê não explicado me arrasta de volta ao banheiro. Ia pegar algo. De repente, a queda violenta. A meia e a umidade do solo a explicação? Provável. Permanecia caída. Pensei na morte, tão intensa era a dor que senti. A incapacidade de me mover, quanto menos de me pôr de pé, me enche de desespero.
TEMPO ABISSAL PASSEI no chão do banheiro. Minha filha chegando do trabalho. Ouço o grito à porta do banheiro. Não podendo virar a cabeça, adivinho o ar carregado de espanto em seu rosto. Eu, por anos o motor da família, agora curvada pela debilidade fruto da idade avançada. Pouco podendo comigo, ela chamou o meu filho caçula, que é médico. Rodamos a cidade na ambulância. O trânsito ameno, visto que passava das vinte e uma horas.
NUM CERTO MOMENTO, as dores corporais se igualam a de ver os filhos sofrerem por meu estado deplorável. Senti as forças me faltarem. Apaguei. Voltei a mim após três dias, na sala de terapia intensiva. Da minha boca, pouco saía. Sorte que meus olhos conseguiram passar um pouco de alívio aos filhos.
O SALDO DA QUEDA: fêmur quebrado, lado esquerdo do rosto com hematomas, braços machucados. A cirurgia fora necessária, feita menos de vinte quatro horas do acidente. O pior é a fralda geriátrica. Eu, mulher independente, zelosa pela casa, pelos filhos, pelo marido, quando vivo, e agora estava sujeita ao transtorno de regressão à idade de bebê. A repentina falta de controle sobre meu corpo me abatia. Comer? Só se alguém me der na boca.
O PIOR DE TUDO É manter a lucidez. Fico revoltada. Palavras saindo de minha boca sem nexo. Queria ter perdido a presença de espírito. A única forma de comunicação são os balbucios, as lágrimas e os gritos agudos. A audição continua intacta. Se eu vou melhorar? Não sei. Se depender de eu entender o que o médico diz, nem quando ouvia cem por cento, poderia ter certeza do que ele fala.
HORA DO LANCHE da tarde: pão molhado no café com leite, e trazido por uma mão caridosa para minha boca.


*Escritor, colabora semalmente em jornais.


Contato ronaldo@ronaldoduran.com