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sexta-feira, 7 de maio de 2010

crônica da semana - ronaldo duran




Olá, Leitor,




Que a crônica abaixo transmita meus votos de


um feliz dias das Mães cultivado


todos os dias e não apenas numa data.




Que a leitura agrade a você e família.




Abraços,




Ronaldo










DE REPENTE, MÃE*










Que turbilhão de pensamentos a invadia no momento em que deitou na maca que a levaria para o centro cirúrgico. Lá fora, a família e o marido. Todos ansiosos, todos preocupados, todos solidários. Contudo, nenhum tão esquisito quanto ela naquele momento. A carga de sentimentos que a sacudia mesclava-se com os medos tão comuns face à palavra parto e à alegria de trazer um ser ao mundo. No caso dela, dois seres, duas meninas.








E se desse algo errado. E se complicações de qualquer natureza pusessem em perigo a vida das pobrezinhas. Que dor no peito sentia a cada vez que pensava nisso. Se ela viesse a falecer? Sim, os médicos, a equipe, todo mundo diz que não, que é imaginação. Mas impossível não é, sabe ela muito bem. E neste um por cento que morre no parto, quem sabe ela esteja incluída? O marido teria que cumprir o juramento que fizera ao longo de toda a gravidez: cuidaria das crianças se a mãe viesse a faltar. Ele ria, às vezes chorava emocionado, negando a possibilidade, mas acabava prometendo.








Num momento desses é que invejava as amigas que puseram silicone, que sofreram cirurgia plástica. Teriam a vantagem, ela se perguntava, de levar numa boa a tensão pré-operatória, por serem experientes? É a primeira vez que passa por essa tensão. Tudo bem, visitar pela primeira vez o ginecologista não fora nenhum parque de diversão. Porém, nada se compara com o que está sentindo agora.








A maca rola pelo corredor. Que estranho ser carregada. Ao lado a enfermeira que puxa prosa: "Como está nossa mamãe?" Ela esboça um sorriso. Buscou ficar mais disposta, desencanar da preocupação. Contudo, quando ficou completamente nua, coberta com a camisola branca, tendo que deitar na mesa cirúrgica: "ai, que frio na espinha". A mãe sempre dizia que mulher é mais forte que homem. Agora, sabe que a mãe não estava inventando. O marido que geme com um cortinho no dedo! Imagina tivesse ele que parir duas crias?










As horas passavam e ela meio aérea. Vinham volta e meia imagens de diferentes períodos da gravidez. O dia que enjoara e tivera que adiar uma reunião importante no trabalho. A vez que o marido correu que nem louco, largando compromissos em outra cidade, tomando chuva, e dormindo no aeroporto, para descobrir, quando chegando a casa, que ela tivera apenas um mal-estar. E das últimas férias na praia, dos passeios no fim de semana no shopping, do não poder dirigir, da dieta inflexível, do maléfico cigarro deixado de lado, do extremo cuidado que o marido tinha com ela, do fazer amor de ladinho na madrugada.








De repente, uns gritos agudos. De repente, os choros das deusinhas suas filhas. De repente, mãe. Que alegria. Sim, é trabalhar para sustentá-las. Mas é tão bom ser responsável por alguém que depende muito de nós...




*Ronaldo Duran, cronista e romancista, colabora em jornais brasileiros.




domingo, 2 de maio de 2010

crônica da semana*

Olá, Amigos Leitores,




A crônica abaixo é descrição de um enamorado.


Em nada corresponde a opinião do autor.


Mesmo porque acredito que em cada


idade temos uma experiência única, e portanto somos dignos de respeito.




Abraços,




Ronaldo Duran











A MULHER DE QUARENTA ANOS








Levei quase três horas papeando com o florista. Fiquei tonto com as minúcias. Sabia tudo sobre flores. Formatos, cores, origens. Quantos tipos de rosas, pétalas, cravos. Estarrecido, eu matutava até onde pode ir o cérebro humano? Que genial capacidade para sistematizar. No caminho de casa, trazia a cabeça enfiada numa empreitada semelhante a do florista. Nada tinha a ver com flores, a não ser que se considere a mulher uma flor.






Ganho a vida como comissário de bordo. Vivo nas nuvens. Deixo-me seduzir como uma criança que acredita em papai Noel. Classifico as mulheres no quesito acolhimento, aí a mulher de quarenta anos é a melhor.






A mulher jovem está mais preocupada em lamber o próprio ego do que dar carinho. Basta olhar como desfila na rua. Que espelho de carro, de vitrine são poupados do exibicionismo de seu traseiro? Boa parte do tempo procurando nos homens o olhar cobiçoso. Amar é verbo reflexivo para a jovem: ela se venera. Namorá-la é como tolerar artista pop, que quer dez mil toalhas e pensa que é semideus dando ar da graça nos palcos brasileiros. Pouco percebe o cara do lado. Esquiva-se dos beijos, dos carinhos, como uma gata manhosa. Jamais está satisfeita. Ora quer ser adulta e veste-se como tal. Noutro momento, dá na telha uma rebeldia, e vem o shortinho, a calça teen e ideias mimadas.






A mulher de quarenta anos, ou mais, é diferente. Acolhe-nos como um filho. Nutri-nos. Dá a impressão de que o homem é indispensável em sua vida. Mostra-se caprichosa numa rápida recaída, mas logo está pronta para comandar um exército de pequenos detalhes: a casa, o orçamento doméstico, a vida regrada, a escola dos filhos. No amor não há igual. Se a jovem tem o corpo desejado à primeira vista, somente a mulher de quarenta anos leva o homem ao nirvana do amor.






Tudo bem que há exceções. Mulheres de quarenta anos com mentalidade de garota. Prodígios em jovens maduras.






Abro a porta do apartamento. Ser comissário de bordo dá a sensação de que cada vez que viajo posso não voltar para casa. Graças à mulher de quarenta anos o apê tem este aroma de limpeza. Compras na geladeira. Roupa lavada. Vou tomar banho e me vestir para que eu não faça feio hoje à noite diante dela. Vamos jantar na companhia de seus filhos adolescentes. Talvez a vida de trintão solteiro esteja com os dias contados.






*Ronaldo Duran, cronista e romancista, visite o autor no http://www.facebook.com.br/