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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - SENTA PUA

SENTA PUA*



Na gaveta, apanhou as medalhas de condecorações. As espetou na altura do peito. Devotou um tempo maior para tarefa de espetar as medalhas, evitando se ferir como da última vez. A idade avançada mostra que a visão de antigo piloto da Força Expedicionária Brasileira ia se diluindo. Seria ingrato se não admitisse estar em melhores condições quando comparado aos seus contemporâneos. Raramente os óculos eram requeridos.
 
Filhos e netos esperavam na sala. Saiu do quarto e se encaminhou altivamente. “Olha o bisa, que lindo!”, disse a neta segurando o filho de quatro anos no momento que o senhorzinho apontou na sala de estar. Os parentes espalhados no sofá vendo tevê. Outros conversando na varanda. Mulheres agrupadas. As crianças alvoroçadas, correndo de um lado para o outro. “Então vamos”, o ex-combatente tomou a iniciativa. “É o senhor quem está no comando”, disse o filho animado.

Como nos anos anteriores nem todos iam para o desfile do ex-combatente de 1945. Os bisnetos ficariam em casa acompanhados da mãe ou dalgum parente que quisesse revezar no cuidado pela criança. A garagem, embora ampla, tumultuada com tantos carros. Filhos que vinham visitá-lo na data que sabiam ser muito importante no coração paterno, quase mais do que o próprio aniversário ou casamento. Vinham do interior de São Paulo, de bairro na capital ou mesmo de outro estado.


Na rua, os veículos recebendo os condutores e passageiros. O sambódromo como destino. O trânsito como sempre motivo de discussão. Os aposentados o maldizendo. Os netos, que todos os dias o enfrentam, jurando que estava calmo naquele domingo. Na marginal Tiete, entraram pelo portão 26 do parque Anhembi. O idoso admirava os pedestres apressados ao redor. A maioria se achegando para apreciar o desfile de Sete de setembro que a prefeitura de São Paulo organiza.

Nessa era de pouco valor dado pelos jovens e adultos aos símbolos da nação, é de se admirar aos que vem assistir os militares se apresentarem”, disse um dos filhos. “Pena que a maioria é composta pelos familiares de estudantes ou de militares que desfilam”, retrucou o neto. “Há militares cujos filhos são os primeiros a dar o mau exemplo em não assistir ao desfile, isto quando não destratam os que seguem a carreira militar”, outro filho completou.
Os pracinhas foram os primeiros a entrar no sambódromo. Vinham sentados nos Jipes. Em seguida, oficiais da reserva de idade avançada. Boa parte dos últimos marchava aprumada. Na arquibancada, a galera em polvorosa. A força de Paz da ONU marcou presença na sequencia.
 
                              fonte: http://bondedica.blogspot.com/


Espetáculo à parte ao dos militares foi o das escolas estaduais. Quarentões saudosistas lembravam-se da obrigação em ensaiar à exaustão para o sete de setembro. Apesar do sofrimento imposto pela disciplina, o prêmio era a sensação do dever cumprido durante e após desfilarem, representando a escola. O dito hoje-as-escolas-só-incentivam-a-banalidade deu o braço a torcer diante do exemplo das escolas que inscreveram bandas de fanfarras. Via-se a disciplina e entusiasmo estampados nos rostos dos discentes.

Findado o desfile, a separação inevitável levava uns para esta ou aquela associação de militares. Umas que agrupavam militares na reserva. Outras que eram compostas por militares na ativa.

A turma do ex-pracinha seguira para a sede da FEB. Havia um almoço, regado a espetinhos de carne, lingüiça e frango, acompanhado de farofa e salada. Nada ostentoso. Porém, o que mais agradava era a companhia dos parentes, dos amigos e dos convidados dos amigos. Na garagem da sede, quadro retratando as lendárias figuras de mascotes militares. O senta pua destacava-se.

A farda voltou para o cabide. As medalhas, guardadas em caixas, para a gaveta.



Escritor Ronaldo Duran, psicólogo da Fundação Casa-SP, colabora em jornais. www.twitter.com/ronaldo_duran