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domingo, 5 de dezembro de 2010

FUMANTE - RONALDO DURAN



Olá, Amigo,



Escrever é uma faca de dois gumes. O mesmo texto pode provocar admiração em uma pessoa e desprezo em outra.

Quem fez o texto também não fica tranquilo. Para uns, é um bobo, chato, que nos enche com suas lorotas. Para ouros, uma pessoa digna de admiração.

Toda vez que mando um texto para os jornais ou para meus contatos fico, sim, torcendo para que o texto agrade, mesmo sabendo que há momentos que isto não acontecerá.

Mais uma vez grato pelo espaço,


Ronaldo





                               FUMANTE*



Que absurdo. Que coisa do outro mundo. Logo eu pensar assim. É que de repente me abateu um nojo, uma situação que provoca incômodo inenarrável. O que está acontecendo comigo para ter nojo do cigarro, eu que sou uma fumante compulsiva? O fato é que está cada vez mais complicado aceitar a sujeira alheia. O copo descartável sujo de café, as cinzas espalhadas no banheiro.


Será que estou começando a deixar de gostar do cigarro? Pior que não. Na minha privacidade, adoro tragar, soltar fumaça. Espero impaciente para que uma reunião acabe para eu correr para um cafezinho e pitar um. Na medida em que a reunião se estende, a tensão aumenta: os lábios se oprimem, o pulmão se aporrinha com o puro oxigênio, as narinas esbravejam por nicotina, os olhos reclamam da irritação de não ver diante de si o formato do cigarro e os dedos tremem por sentirem-se vazios.


                     fonte: blogger-index.com


De manhã, porque é de manhã, o cigarro cai otimamente bem. Na hora do almoço, logo que o estômago forra-se com comida, a nicotina tempera o bolo alimentar. À tardinha, o cigarro com café me desperta do sono. E antes de dormir, o cigarro relaxa o corpo.


E este nojo! Que inconveniente. Vem, contudo, unicamente na presença de outrem. Eu, no gozo de meu trago, nada sinto de aversivo. Apenas prazer. E a tosse seca, o peito encatarrado, os dentes amarelados? São os pedágios que pago para trafegar na estrada do meu prazer.


O outro me perturba. Nunca a máxima sartriana de que o inferno são os outros fica tão patente quando me deparo com pessoas de sorriso amarelado, papeando comigo, o bafo fétido exalando náusea. Ah, que irritação quando me sento no sanitário e percebo cinzas de cigarros espalhadas pelo chão: minha roupa sujando, o papel higiênico contaminado. Que deprimente. E como cúmulo do absurdo vem o copo descartável sujo de café deixado nas mesas da repartição. Raros os fumantes asseados, não emporcalhando com sua fumaça e cinzas e bafos o ambiente. Se eu não fumasse, com certeza arrumaria briga com quem fuma. É outra coisa que não entendo: não sei como os não-fumantes suportam passivamente o desrespeito que os fumantes causam.


Estou enojada? Talvez seja uma fase. Fumo há décadas e é a primeira vez que sinto incômodo. Nem as campanhas antitabagistas com crianças mortas ou o garoto propaganda definhando no hospital fruto de complicações respiratórias me causaram o menor remorso. Ora, morrer todos nós vamos. Mas a sujeira, a fumaça, o nojo vendo outrem fumar, me deixa irada. Tem uns tão sujos e desprovidos de bom-senso.


Por que estou falando assim? Eu sou fumante. Deveria estar defendo meu time. Na verdade, sempre o fiz. E agora, essa insanidade. Será tensão pré-menopausa? Quem sabe.


*ronaldo duran, escritor, psicólogo da fundação casa e colunista em jornais.































segunda-feira, 6 de setembro de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - SENTA PUA

SENTA PUA*



Na gaveta, apanhou as medalhas de condecorações. As espetou na altura do peito. Devotou um tempo maior para tarefa de espetar as medalhas, evitando se ferir como da última vez. A idade avançada mostra que a visão de antigo piloto da Força Expedicionária Brasileira ia se diluindo. Seria ingrato se não admitisse estar em melhores condições quando comparado aos seus contemporâneos. Raramente os óculos eram requeridos.
 
Filhos e netos esperavam na sala. Saiu do quarto e se encaminhou altivamente. “Olha o bisa, que lindo!”, disse a neta segurando o filho de quatro anos no momento que o senhorzinho apontou na sala de estar. Os parentes espalhados no sofá vendo tevê. Outros conversando na varanda. Mulheres agrupadas. As crianças alvoroçadas, correndo de um lado para o outro. “Então vamos”, o ex-combatente tomou a iniciativa. “É o senhor quem está no comando”, disse o filho animado.

Como nos anos anteriores nem todos iam para o desfile do ex-combatente de 1945. Os bisnetos ficariam em casa acompanhados da mãe ou dalgum parente que quisesse revezar no cuidado pela criança. A garagem, embora ampla, tumultuada com tantos carros. Filhos que vinham visitá-lo na data que sabiam ser muito importante no coração paterno, quase mais do que o próprio aniversário ou casamento. Vinham do interior de São Paulo, de bairro na capital ou mesmo de outro estado.


Na rua, os veículos recebendo os condutores e passageiros. O sambódromo como destino. O trânsito como sempre motivo de discussão. Os aposentados o maldizendo. Os netos, que todos os dias o enfrentam, jurando que estava calmo naquele domingo. Na marginal Tiete, entraram pelo portão 26 do parque Anhembi. O idoso admirava os pedestres apressados ao redor. A maioria se achegando para apreciar o desfile de Sete de setembro que a prefeitura de São Paulo organiza.

Nessa era de pouco valor dado pelos jovens e adultos aos símbolos da nação, é de se admirar aos que vem assistir os militares se apresentarem”, disse um dos filhos. “Pena que a maioria é composta pelos familiares de estudantes ou de militares que desfilam”, retrucou o neto. “Há militares cujos filhos são os primeiros a dar o mau exemplo em não assistir ao desfile, isto quando não destratam os que seguem a carreira militar”, outro filho completou.
Os pracinhas foram os primeiros a entrar no sambódromo. Vinham sentados nos Jipes. Em seguida, oficiais da reserva de idade avançada. Boa parte dos últimos marchava aprumada. Na arquibancada, a galera em polvorosa. A força de Paz da ONU marcou presença na sequencia.
 
                              fonte: http://bondedica.blogspot.com/


Espetáculo à parte ao dos militares foi o das escolas estaduais. Quarentões saudosistas lembravam-se da obrigação em ensaiar à exaustão para o sete de setembro. Apesar do sofrimento imposto pela disciplina, o prêmio era a sensação do dever cumprido durante e após desfilarem, representando a escola. O dito hoje-as-escolas-só-incentivam-a-banalidade deu o braço a torcer diante do exemplo das escolas que inscreveram bandas de fanfarras. Via-se a disciplina e entusiasmo estampados nos rostos dos discentes.

Findado o desfile, a separação inevitável levava uns para esta ou aquela associação de militares. Umas que agrupavam militares na reserva. Outras que eram compostas por militares na ativa.

A turma do ex-pracinha seguira para a sede da FEB. Havia um almoço, regado a espetinhos de carne, lingüiça e frango, acompanhado de farofa e salada. Nada ostentoso. Porém, o que mais agradava era a companhia dos parentes, dos amigos e dos convidados dos amigos. Na garagem da sede, quadro retratando as lendárias figuras de mascotes militares. O senta pua destacava-se.

A farda voltou para o cabide. As medalhas, guardadas em caixas, para a gaveta.



Escritor Ronaldo Duran, psicólogo da Fundação Casa-SP, colabora em jornais. www.twitter.com/ronaldo_duran

domingo, 22 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - PADRE DESBOCADO

PADRE DESBOCADO*




Foi um choque. Tantos palavrões. Se fosse da boca de colegas de farra, vá lá. Fica difícil encarar numa boa um religioso gritar vai-tomar-naquele-lugar. Se para mim, cuca fresca, o repertório do padre me fez balançar, imagina o estrago para as devotas senhoras.



Lembro-me da primeira vez que subiu ao palco. O sotaque peruano. A cara fechada. Nada do padre convencional. Estava visitando ou em Missão? Sei lá. O fato é que residiria duas, três semanas na paróquia do bairro. Eu, aluno de fonoaudiologia, raramente deixo de vir no fim de semana para minha Batatais. Solitário, corro para a missa dominical das oito da manhã. O costume vem desde que me conheço por gente. Aos doze anos, ia à missa sem companhia. Aos 23 anos, vi muitos padres. Uns inovadores e tantos outros conservadores. O padre peruano é diferente.

fonte: camposvrm.blogs.sapo.pt


Se você quer ser chamado de cristão, pode ficar aí com a bunda colada no banco ou ajoelhado, e depois da missa ir para casa e ver televisão, falar mal dos outros e afundar-se numa vida estúpida como um hijo de una puta. Agora, se você quer ser cristão de verdade deve usar a oração não como fim, porém como meio. Um meio para uma vida melhor, para evitar discórdia, difamação. Para cultivar a boa vontade. Não me venha dizer que depois de confessar as intenções ou atos pecaminosos vai te fazer estar bem com Deus. O Pai quer ação. Aja conforme a lei divina: e pare de nos infernizar a vida com assuntos tolos no confessionário. O ouvido do padre não é vaso sanitário”.



Nem eu teria capacidade para reproduzir todas as falas, sequer os palavrões. As devotas assombradas. As crianças rindo. Os jovens sem entender. O circo armado.



Meu curso é integral e tenho uma vida de pura agitação. Ainda assim é fácil supor o nó que a missa peruana causou na cabeça das pessoas. Nem a vinda do Bush ao Brasil seria pário. Na terça-feira, minha avó me ligou dizendo que o padre ofendeu muita gente durante a missa das dezoito horas. Se ele não poupou a grande massa no domingo, por que seria complacente com a meia dúvida que vai à igreja durante os dias da semana?, pensei comigo.



Teria chegado carta criticando a postura do padre por parte de uns mais incomodados. Nesse momento, até os nacionalistas vociferam: “Fora Peruano!”



O fim chegou. Ele teria que retornar. O que eu notei é que boa parte dos que lhe criticaram durante quase um mês de estadia, hoje batem palma e choram. Prova que o jeito rústico, desbocado, e bravo que o fazia inflamar a missa não ofuscou a mensagem significativa para nossas vidas que ele buscou transmitir.


* Escritor Ronaldo Duran, colabora neste espaço toda semana. www.twitter.com/ronaldo_duran

sábado, 21 de agosto de 2010

LEITURA

HISTÓRIA TRISTE*



Nasceu? Sim! E porque nasceu?

Nasceu porque quando precisava faltou a coragem. Coragem? Coragem prá que?

Pra dizer que não se deve receber quem não é bem vindo!

E quem não é bem vindo?

Quem nasceu, oras!

Não é bem vindo? E porque não é bem vindo? Não é bem vindo porque deu tudo errado.
Como assim, tudo errado? E o certo não é quando se encontram, se apaixonam e se entregam?

Então, se assim é o certo, o que aconteceu foi tudo errado.

Não teve encontro, se trombaram.

Mas pelo menos se apaixonaram? Claro que não! Deu tudo errado.
Deu tudo errado porque se não se entregaram.


E porque não se entregaram?


Porque não havia o que se entregue. Tudo já havia sido roubado.

Roubaram a infância, a inocência, a candura.


Levaram também os sonhos de príncipe encantado e bela adormecida.


E porque ambos já haviam sido roubados, não havia mais o que entregar.


E como não havia mais o que entregar, simplesmente se deitaram.


Quando levantaram já era dia e a barriga já crescia.

E como crescia, o dia já não aparecia.

Não aparecia o dia porque a barriga tampava o sol.

Não, alguém que impedia que o sol nascesse não podia ser bem vindo.

E porque não se expulsava esse que não era bem vindo?

Porque se permitia que ele não deixasse o sol nascer?

Questão de coragem, ou de falta dela. E então, nasceu. Chorou? Talvez! Como talvez?

Se chorou, não se ouviu. E caso tenha sido ouvido, o descaso se repetiu. Repetiu...

Os ecos se ouviram depois.

Na escola... alguém viu?

Na igreja... se ouviu?

Em casa? Fugiu!

Fugiu? Sim, fugiu! E fugiu porque?

Porque sobrou coragem.

Coragem que para alguém faltou, para ele sobrou.

E do que sobrou, se armou.

E naquele momento se amou, se entregou.

A si próprio.

De arma na mão perseguiu o que não lhe deram.

E quem disse que cano compra afeição?

Mas não contaram isso prá ele.

E assim, se enganou. Armas, amores, amigos.

Que sumiram na primeira apreensão.

E agora? Agora , quem pariu Mateus que o balance!

Mas não pariram Mateus.

Mateus pariu a si próprio.

06 meses, sobe o relatório. Não foi dessa vez. Quem sabe da próxima!

Próxima? Que próxima! Sobra coragem e na ousadia, lá se vai Mateus... fuga maluca.

Maluca também é a vontade de aparecer novamente, seja de que jeito for.

Escolha errada, malandro. Aqui não entra ladrão.

Entra não entra na mansão, já era zicão.

Morreu!

Morreu? Como assim?

Assim como se morre qualquer um.



*Tais de Freitas. contato: taispfreitas@hotmail.com

domingo, 15 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA

VOZ DE MULHER*


por ronaldo duran*

Seria de estranhar eu receber dos meus colegas de trabalho e amigos e família o rótulo de ser um cara agressivo, insensível. Antes me chamam cuca fresca, ainda que levando a vida agitada na gerência de meu próprio negócio: uma casa de material elétrico. Quem me acusaria de estúpido no trato com o semelhante? Sou de carne e osso, sim. Por isso, de vez em quando tenho uns cinco minutos. E aí uma irritação com a esposa e acabo xingando. Uma brincadeira sem graça de cliente e ele sai ouvindo o que não queria. Odeio quando isto acontece. Parece que não sou eu. Definitivamente não sou do tipo que tem prazer em provocar ofensa.



Acontece que o destino me aprontou uma. Desenvolvi uma voz feminina. Bem, ninguém me disse pessoalmente. Tiro esta conclusão das infelizes vezes que ao telefone a voz desconhecida me trata por senhora. “Olha, a senhora quer anotar o número do protocolo?”, da vez que liguei para cancelar um serviço de telefonia. “Ah, a senhora poderia anotar o recado”, das vezes que ligam para minha esposa.


Nas primeiras vezes, achei inusitado. Voz de mulher, eu? Se eu fosse afetado, vai lá. Mas sou do tipo comum: pai de família, barba na cara, nariz enorme, rústico para quem não me conhece, segundo minha filha. E o cara me confundir com mulher?


Procurei não ligar. Mesmo buscava dissipar a dúvida. Quando tinha oportunidade dizia: “bem, meu nome é”. Do outro lado percebia o constrangimento: ah, sim, senhor. Repetia meu nome. Uns chegavam a pedir desculpa. Na maioria, soava um mero arranhar de garganta. O telemarketing é algo robótico, ansioso para despejar o falatório e fisgar o cliente, pouco prestando atenção na pessoa que está do outro lado da linha.


Chegou o dia que me enchi. Culpa dos cinco minutos que se estenderam por mais tempo? Pode ser. Não aguentaria mais um idiota me telefonar e me chamar de senhora. Que minha voz tenha o timbre feminino para fazer confundir quem me ouve ao telefone eu aceito, a contragosto, mas aceito. O que é imperdoável é sequer perguntar meu nome. Afinal, no Brasil, raríssimas exceções, o primeiro nome dá a certeza do sexo a que pertence o indivíduo.

Não tive que esperar muito. A vítima foi um telemarqueteiro de cartão de crédito. “A senhora poderia me chamar o senhor...?”, disse o jovem. “Ei cara, está me estranhando? Não sou senhora p. nenhuma”, desliguei. O telefone tocou três ou quatro vezes. Não saberia dizer se ele queria me pedir desculpa pela confusão de gênero ou revidar minha baixaria.

Saí de mim. Nunca fiquei tão nervoso. O que aconteceu comigo? Nem eu mesmo me reconheci.


*Escritor, colabora neste espaço toda semana. www.twitter.com/ronaldo_duran

EDUCAÇÃO - ARTIGO

E o Brasil, quer o que com seu ensino superior?




Por Nelson Valente*






Nos dois últimos governos inventaram índices, condições de oferta, Sinaes, Conaes, IGCs, CPCs, CCs AIEs (Avaliação Institucional Externa), produziram especiosos e detalhistas, senão ineficazes, instrumentos de avaliações, além de Enade, Enem, provinhas e provões, decretos-pontes, reformas universitárias, dilúvios de portarias ministeriais, micro (ou nano) regulatórias, enfim, uma parafernália de mudanças.



Tudo muito bonito, mas efetivamente inócuo



É um processo avassalador de modificações. Os governos brasileiros, federal e estaduais, têm alergia à ideia de órgãos autônomos, sejam agências reguladoras, sejam universidades, sejam conselhos educacionais. As universidades brasileiras não gozam de autonomia verdadeira. Acho que os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. Neste sentido, é de certa forma irônica observar que foi certa autonomia do Banco Central que deu ao Brasil a estabilidade da qual hoje se beneficia o país.



Não se discute o ensino superior no Brasil, discute-se o acesso ao ensino superior, por isso, não existe uma política universitária, uma política educacional do ensino superior. Minha decepção nesse período é que não tenhamos discutido os objetivos do ensino superior no Brasil. Hoje, o Brasil é a 8ª, 9ª economia do mundo. Se pegarmos a lista de melhores universidades mundiais, não encontramos nenhuma universidade brasileira entre as 100 primeiras. Vemos alguma lá na 180ª posição, que são as paulistas, a USP, a Unicamp, seguidas pela UFRJ, UFMG. O Brasil nunca definiu se deseja ter uma grande universidade de qualificação mundial. A Coreia do Sul está lutando bravamente para constituir universidades de qualificação mundial.



A China tem um plano de fazer 100 universidades de qualificação mundial até 2021. A Alemanha tem um programa de 2,5 bilhões de euros para a qualificação. O presidente francês deu autonomia para as principais universidades e exigiu que elas se qualifiquem. Portugal e Austrália também têm feito movimentos nessa direção. A Inglaterra tem pelo menos três universidades de classe mundial e os EUA tem um caminhão delas. E o Brasil, quer o que com seu ensino superior?
 
*É professor universitário, jornalista e escritor. nelsonvalenti@hotmail.com

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - GUARDETE

GUARDETE*


Certos hábitos adquiridos em serviço nos deixam constrangidos em outras situações. Aí vem o vexame. Como guardete de uma empresa, tenho, entre minhas tarefas, a de revistar as bolsas das mulheres que adentram na firma.

Não é a profissão que eu pedi a Deus. Nada de dizer no fim do expediente: oh, que prazer que me deu ter vasculhado as bolsas, bolsos, apalpado os corpos, na caça de algo suspeito.

Mas é meu ganha-pão, e, apesar da falta de reconhecimento, gosto do que faço e procuro não ser uma funcionária relapsa, cumprindo à risca o que meus superiores imediatos me solicitam para o melhor andamento do serviço.

Se o reconhecimento é raro, pior é quando levamos uma bronca por uma suposta ou real falha. Basta um comunicado da gerência patrimonial alegando o sumiço de um objeto, para a bronca nos açoitar. O clima na nossa área é sugestionado por notícias que relevem desaparecimento de objeto na empresa.

Os guardas por terem sido advertidos ficam mais rígidos na revista. Os funcionários observando esta rigidez, por vezes, rebelam-se, com direito até baixaria por parte dos mais exaltados.

Antes de ser guardete, eu tinha uma aversão pela figura do segurança. Achava-o uma estátua. Ali parado, as horas passando, as pessoas agindo. Chuva, sol, nuvens, e ele como uma múmia. Assim era nos bancos, nos postos de saúde, à frente da portaria de empresas. Eu ficava irrequieta. O que me aliviava era o desejo de jamais ser um deles. Nunca diga que desta água não beberá.

Engravidei, larguei o ensino médio. Virei mulher, dona de casa e mãe. Trabalhara antes, mas apenas para comprar coisas para mim. Meu marido, ah, um guarda. Nem vou dizer como conheci um guarda, muito menos como fui casar com ele. O que me importa é que eu o amo e o admiro. Talvez por isso, prestei exames e vim a ser guardete na empresa onde ele trabalhara.

Do que eu estava falando no início desta sessão nostálgica? Ah, sim, me lembrei. Do vexame de certos hábitos fora de contexto. O hábito de revistar as bolsas das funcionárias me deixou sem graça no supermercado. Lá estava eu, fazendo compras de mês para minha família. A fila morosa. Nisso uma mulher abre a bolsa para pegar o talão de cheques. E eu enfiando minha cara. Quase minha mão acompanha a curiosidade e entra na bolsa... Ainda bem que não.

Buscando safar-me do mal-entendido, pedi desculpas e disse que era hábito do serviço de guardete. Claro, as caras de dúvidas não foram poucas. Paguei minha conta e segui para casa, querendo me enfiar num buraco debaixo da terra, de tanta vergonha que estava.

Escritor Ronaldo Duran, cronista e romancista. www.twitter.com/ronaldo_duran

domingo, 1 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - ESPANTO

Olá, Amigo leitor,






Um bom retorno às aulas. Que as

agruras sirvam para te

 fortalecer.


Abraços,





Ronaldo


www.twitter.com/ronaldo_duran




                                  ESPANTO*



“Renasça com as manhãs”, era a música que tentava manter na cabeça, depois de ter descido do carro. A manhã estava bela. Agosto, sem chuva nem frio.
 Um clima agradável. O sol banhando tudo ao seu redor.
Até as pessoas lindas seguindo para o trabalho em lojas, bancos, escritórios, supermercados ficavam mais lindas com o banho de sol. Subiu a rampa da instituição. “Bom dia professor”, no que ele responde outro bom-dia com um sorriso.




Era professor. Antes, um bocado de bicos. Por vezes, alunos perguntam: professor, o que o senhor ainda não fez? De pronto respondia: não roubei nem matei. E os livros da escola? Sua consciência o perturbou. Ele justificava para si que todo o conhecimento absorvido nos livros repassava aos alunos. Se o Estado investisse em livros para o professor, não precisaria tomar emprestado. Não satisfeito com o raciocínio, o professor jurou para si que na próxima semana iria à escola e os devolveria.


Dia de seminário. Na verdade, são três dias. Hoje sendo o segundo. Gostava da metodologia. O aluno deixava de ser mero ouvinte e subiria ao palco. Protagonista. Momento mais que oportuno para verificar se a conceituação do tema tratado durante longas semanas fora apropriado, internalizado.

No seminário, se é difícil para quem expõe; para quem avalia não é menos tranqüilo. Contudo, o mestre adora ver a magia no semblante dos pupilos, a energia no falar, os exemplos elencados e os debates com paixão. O aluno apaixona-se pelo tema.

Um inconveniente. A mente rebelde do mestre divaga. Deixa de notar o aluno e se depara mirando detalhes outros. Vê bocas batendo. Caras gordas, magras, pintadas, ossudas. Mãos agitadas. Pernas longas, curtas, salientes, tímidas, retraídas. Olhos tesos, tensos. Os corpos grandes, fortes, gordos. Os miúdos, baixinhos.


Nas aulas expositivas, ele ficava mais tranqüilo. Passeava os olhos em toda sala sem fixar em alguém. Por vezes, chamava um estudante à atenção, mas com a cabeça a mil com o conteúdo a ser transmitido, raramente tinha tempo para se atentar detidamente em aspectos anatômicos. Há alunos que se destacam. Impossível não dar uma olhada em especial.



Tentava esquivar-se desses pensamentos confusos. Nada adiantava. É a desvantagem do seminário... O importante é aproveitar os outros aspectos positivos.


*escritor ronaldo duran, colabora em jornais. www.twitter.com/ronaldo_duran


domingo, 25 de julho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - BEBADO

Olá, Amigo Leitor,

A novidade é que o domínio informativoliteraturaviva.com.br está registrado.
E estamos empenhados agora em criar um site que você possa também se sentir acolhido.

Por enquanto continuará sendo direcionado para o blogspot.com até que o site venha ao ar.




O BEBADO*




Embalos de sábado à noite? Mais ou menos. Para a maioria, resume-se às idas aos restaurantes, a uma pizza, a uma lasanha. Tomar uma bebidinha para abrir o apetite. Nas rodinhas de solteiros, o álcool expande o assunto, dá asas à imaginação, solta a língua. A mãe, pais de família refrescam a garganta com a cerveja, vinho, antes ou durante o prato ser servido e, forrado o estômago, se levantam e seguem carregando as crias para casa. O lazer garantido, fortalecido as relações, é hora de recolher-se.


                                 fonte: kadaideia.blogspot.com/2010/06/o-bebado-na-po...
 
Pena que para o bêbado a situação seja outra. O álcool figura não como complemento, mas como única forma de se achar no mundo tortuoso em que o vício lhe prende.


Lá vai ele para o bar. A determinação inicial: rir com os amigos. Mas chega a hora que a risada desagrada, e os amigos vão se embora, para suas casas, seus amores. Ainda tenta prender um remanescente a seu lado. “Então, sabe daquela vez que nós...” ou “Já? Espera mais uma... agora é a saideira” tipos de frases que visam manter viva a chama da prosa o maior tempo possível.


De repente, o companheiro tira a grana da carteira e fala: “é a parte que me cabe”. Às vezes o bêbado pede a conta e encerra; noutras, limita-se a dizer tudo bem, deixa aí. E se volta para si. O bar, restaurante, boteco fica diferente. Ele está sozinho. As pessoas desconhecidas circulam, chegando ou saindo. Ele ali, plantado.

Chora e ri com as eventuais músicas que tocam num alto-falante distante, que não havia notado quando em companhia dos camaradas, mas que neste momento parece martelar seus ouvidos. Daquele instante, não lembraria no dia seguinte, nem sob tortura, o que ele disse, pensara, com quem ele proseou, os perigos e prazeres que atravessara.

Inconsciente, seguirá ele por ruas, avenidas. Por pouco não será atropelado por carros, bicicletas. Um quê de sorte e asco o livrará de assalto e de possível perversidade de bandidos de plantão. O corpo chegará a casa, mas a consciência estará em outro plano. Ainda na rua, veremos um corpo magro, ziguezagueando, por vezes tombando no asfalto, erguendo-se com dificuldade. Raramente haverá tombo, quando ainda jovem, mas depois dos quarenta serão freqüentes. Pior, os machucados, os hematomas serão dolorosamente mais intensos.

Se no início era por alegria que bebia, agora é para fugir da nulidade que o vício leva a alma sem eira nem beira.


*escritor ronaldo duran, colabora em jornais brasileiros. www.twitter.com/ronaldo_duran
 http://www.informativoliteraturaviva.com.br/






terça-feira, 20 de julho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - EXPLOSÃO

Olá, Amigo,

 

Neste ano sou candidato a Deputado Estadual em São Paulo. Falo hoje, pois eu estava dependendo da minha inscrição junto aos órgãos oficiais.

 
O que me leva a política é um montão de coisas: principalmente o poder. Poder mudar ou interferir no que julgo estar errado.

 
Sei do lado ruim da política. Se nos tempos da ditadura ser político era correr o risco de ser morto por um Estado Opressor, hoje, quem se envereda por esse caminho é chamado de ganancioso ou coisa pior.

 
Longe de negar que muitos políticos contribuíram para essa péssima imagem. Mas a luta deve continuar para que um dia a política seja admirada ou pelo menos valorizada como um bem necessário...

 
E uma força interior me leva a querer fazer parte desta mudança.

 
Obrigado pela escuta. E querendo fazer parte do grupo de amigos que estão me apoiando, será uma grande honra contar com você.

 
Ronaldo






                                                                           EXPLOSÃO*



“Oh, cara, acorda! É tua vez”, meu parceiro no truco grita. Volto a mim e colaboro na partida. Não foi a primeira vez que me chamou a atenção. Eu estava meio avoado. Como prevendo que algo ia acontecer. Tudo bem, se eu falasse olha, acho que vai acontecer algo de terrível, ele ia me zoar: “alôoo, só para te lembrar somos bombeiros”.

 
Sei lá, deve ser cisma do tempo de pequeno, quando ouvia minha avó contar casos. Tipo um pai de família que não queria ir trabalhar por causa de uma sensação, um calafrio e acabou sendo atropelado.

 
fonte: odiario.com/blogs/edsonlima/category/pesquisa/




Sacudi a cabeça. Nada a ver ficar esperando pelo pior: na profissão que escolhi o pior é o normal e a gente desconfia do dia tranqüilo. Teve uma vez que entrei em crise de consciência.

Pô, tanta profissão e fui justamente escolher esta, que não remunera tão bem e que arriscar a pele é um exercício constante. Sou formado em educação física, podia ser professor. Quem sabe, entrar como técnico da receita federal. Tudo, menos pôr meu pescoço em risco.

Em meio a estas encanações, tive meu dia de ao mestre com carinho, dia em que percebi que se eu podia ter qualquer outro ganha-pão, talvez não me realizasse tanto quanto neste: o de salvar vidas. Foi de uma hora pra outra que tive esta certeza? Claro que não. Precisou o lance do perigo inesperado.



Um prédio em labaredas, na periferia, quatro andares. Dentro, uma senhora preta com o neto de sete anos: a filha havia saído para ganhar o sustento da família. Eu ali os retirando das garras do fogo implacável. A tragédia me fez um bem danado. Quê? Sim, percebi a vocação junto com minha missão: salvar vidas.


Tá, a grana curta. Controlar o impulso consumista quando a TV diz o contrário por imagens sedutoras? Tarefa difícil. Mas se eu estivesse na receita federal, se todos os bombeiros estivessem em profissões mais rendosas, médicos ou juristas, quem salvaria aquela senhora e o neto?

Hoje. Eu aqui em Congonhas, que loucura! O avião lá dentro. Pessoas pulando do prédio. A droga da escada que não dá para todos. Explosão.

“Cara, toma cuidado”, gritei pro meu colega de truco. “Pô, se eu não subir o sujeito pula”, ele berrou de lá. E fomos pra lá. Salvamos um, dois, três... “Cara, tu tá louco, isto não dá. A parede vai desabar”, adverti. “Tem horas que a gente tem que arriscar... eles vão morrer tostados”. Meu colega sequer teve tempo. A parede desabou.


Com uma moça ensangüentada nos meus braços, corri para fora, para salvá-la. Meu coração queria voltar para meu amigo sob os escombros, meu racional dizendo: salva esta pessoa que está nos teus braços por que ele já cumpriu a missão na terra.

*escritor ronaldo duran, psicólogo da Fundação Casa- SP, colabora em jornais.










segunda-feira, 12 de julho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - TIETE

Olá, Leitor,

Desejo a você uma excelente semana.

Felicidade,

Ronaldo




TIETE*


fonte: musicamagia.wordpress.com



Sexta-feira à noite, um show. A Avenida Nove de Julho fervendo. O palco: Tênis Clube na São José dos Campos. O show, uma banda famosa. Toca na rádio. Um currículo de mais de vinte anos de estrada. O trânsito mostra que a galera prestigia. Adolescentes menores de quinze anos conduzidos por pais trintões saudosistas. A multidão é heterogênea. Um tanto por ser pop, outro pelo carisma e força de sua musicalidade. Adivinhou quem disse Capital Inicial.

A maioria é de jovens acima de 18 anos. Uns estão para fumar, cheirar. Bebuns de plantão também. Uns motivados pela azaração, buscando novo caso ou esquentar a antiga conquista. A maioria, contudo, quer dançar, dançar, dançar. Tem as tietes, cujo objetivo é ganhar amasso dos protagonistas do show. Tanto faz se for baixista, guitarrista ou o técnico do som. Se for o vocalista que se renda a seus lábios, claro, a pontuação no ranking eleva-se maravilhosamente.


Descendo do carro vem uma tiete. Menina de cabelos longos, louros, escorridos e olhos castanhos escuros. Bem magra, mas que conserva a essência para estimular a libido masculina. Uns 25 anos. Rosto meigo, que oprimiria um coração romântico, fazendo-o sofrer mais do que se mergulhado em azeite fervendo, caso ela lhe desse em vez de amor apenas indiferença.


Como não estamos em uma novela televisiva, o rótulo simplista de má ou boa pessoa não a veste. Busca o prazer. Diverte-se.


O show prossegue. Dinho Ouro Preto lá na frente. Cantando. Ela petrificada. Ouvira as letras um par de vezes. Estariam batidas? Diante dele, uma magia lhe abraça. Ele é tão impressionante. Transmite um quê de vibração ao cantar. Ela se sente balançada. A roupagem de tiete cai. O estilo Dinho faz diferente. Um colega seu lá onde ela trabalha é fã incondicional. Ela achava esquisito: homem achar outro um anjo, encantador. Soaria como algo bicha. Agora, diante da voz de Dinho ela percebe o que passa pela cabeça do colega. Dinho é simplesmente uma magia pela vida.

O show terminou. As tietes se posicionaram. Ela recuou. Pela primeira vez recuou. Parecia pieguice, porém, tentar arrancar um beijo do Dinho com segundas intenções, apenas para colecionar, seria como permitir-se a um estupro. Não macularia aquele anjo, não ela, não desta vez. Talvez Dinho fosse nada do que ela pensava, mas de antemão agradece o favor que ele sem saber lhe fez. Ajudou a ela repensar-se. Só isso vale a pena.

*escritor ronaldo duran, colabora neste espaço. http://www.facebook.com.br/ e www.twitter.com/ronaldo_duran

domingo, 27 de junho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - BOLÃO CONTRA

fonte: blogs.diariodepernambuco.com.br








Olá, Amigo Leitor,


Não se trata de pisar em ovos, mas quem torce contra
o Brasil não se sinta chateado. É apenas literatura.

Que você aprecie a crônica.


Abraços,

Ronaldo




BOLÃO CONTRA*





_ Vai dizer que de novo apostará contra o Brasil?

_ Alguém tem que fazer o trabalho sujo... – mostrou um sorriso comedido.

Eram mais de quarenta pessoas na repartição. Como brasileiro ama futebol, e venera a Seleção, ficam as possibilidades cada vez mais estreitas. Na liderança vinham as apostas no 2x1. Os mais tímidos ou receosos ficavam com o 1x0. Os 3x, 4x, 5x representavam a turma dos animados. E se muitos querem apostar contra o Brasil, poucos têm a coragem de pôr o desejo em prática.

_ Soa tão pouco patriota? – alguém fala.

_ É a pior demonstração de avareza, mesquinharia pura – outra segue o embalo das reprovações sociais.

_ Nada. Ele só está apostando... Que graça tem se todos arriscarem na vitória do Brasil – o duas-caras do grupo buscava defender o colega, embora que em sua ausência os comentários fossem mais evasivos.

O polêmico sujeito nem aí para as críticas. A bem da verdade, curtia o Brasil, torcia a cada jogo para vitória, quase como um apaixonado. Mas paixão é paixão, e negócio à parte. No princípio, inventou de ser contra o Brasil mais para a turma do Bolão se indignar e o deixar em paz do que realmente torcer para derrota brasileira.

Não foi uma nem duas vezes que se recusou a participar das apostas anteriores. Agora, em 2010, depois de duas copas recusando participar da jogatina, acabou cedendo. O convite era insistente, e com ele a deixa de antissocial, quando da recusa, produzia mal-estar nele diante do grupo.

_ Mas daí quererem escolher minha aposta... Vão tomar no c. todos! Vou apostar em quem eu quiser.





Apesar de ser homem quieto, de poucas palavras, vendo-se provocado pelos colegas, hora e outra dá respostas que torna a relação espinhosa.

_ Enquanto o Brasil passou com 2x1 apertado pela Coreia do Norte, Portugal meteu 7x0. Será que desta vez eu levo o Bolão?

_ Sai para lá urubu... Vai azará outro. O Brasil encontrará forças para bater mais este adversário.


_ É o que todos esperamos – haveria uma gota de sarcasmo da parte dele? De qualquer maneira os defensores do Brasil não baixaram a guarda.

_ Menos você... Quem aposta por dinheiro que o próprio País vai ser derrotado, pouco amor nutri...

_ Pode ser... Mas não no meu caso. Se o Brasil ganhar não ficarei triste.

_ As mulheres, mais passionais, queriam voar em cima dele, esbofeteá-lo, tamanho o desconcerto que a observação lhes provocava.


Longe do serviço, no conforto do lar, curtindo a solidão de um divorciado, cujas filhas já estão encaminhadas na vida, e diante de um namoro que se desponta no horizonte, ele é completamente diferente.
Na hora do jogo, quem o visse em casa não o reconheceria. A sala de estar pronta para assistir o jogo do Brasil. O peito e cabeça latejando a cada lance errado da Seleção brasileira. Xingando adoidado a cada investida do adversário. Morde os dedos, anda para lá e para cá. Reclama do árbitro – eterno ladrão quando pune o time que torcemos.

O gol que chega dá vontade de rir, de vibrar, de chorar, de pular. Ele não passa vontade, soltando a tensão que o atormentou.


É a característica da vida privada de muitos: nem sempre anuncia o objeto de prazer aos quatro ventos.




* ronaldo duran, romancista, psicólogo, colabora em jornais. http://www.facebook.com.br/

segunda-feira, 21 de junho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - BIQUINI

Olá, Amigo Leitor,

Renovo o convite de você colaborar no Literatura Viva, caso queira.
Já temos nosso modesto escritório.

Agora, a luta é para conseguirmos uma sede
que dê espaço para os escritores e amigos circularem sem aperto.

Que a crônica abaixo agrade a você.

Abraços,



Ronaldo


Escritório Litetartura Viva

Rua Herval, 1074, São Paulo - SP

CEP 03062-000




                                             BIQUINI



Falta pouco. Em vinte minutinhos, estarei diante do mar. Nas curvas, vemos as primeiras imagens de Caraguatatuba. A pista está uma beleza, pouco movimentada, apesar de feriado. A Páscoa é um dos poucos feriados que a rodovia dos Tamoios não fica insuportável. Eu que o diga. Sou praieira de carteirinha. Curto sair do estresse. Preciso mergulhar na água salgada, sentir meus pés na areia, a bruma lambendo meu calcanhar, a batata da perna, minhas coxas.


Esse hábito é desde o tempo de namoro. Ele foi quem numa quinta-feira me trouxe para cá. Antes eu vinha somente nas férias familiares. Foi tipo travessura. Estávamos trabalhando, e saímos para almoçar. Quando deu na louca de me convidar para irmos para Caraguá em vez de enfrentar o trampo à tarde. Pensei que estivesse brincando. Logo ele tão centrado. Por isso não me opus, achando que fosse brincadeira. Quando passamos Paraíbuna, percebi que não era blefe. Descemos. Ficamos pela primeira vez a sós. Nosso caso acabou, mas o prazer em descer para o litoral permaneceu.



Daquele dia em diante, passei a ver a praia como fonte de repor energias. Trabalhando num escritório de venda de maquinário, no estresse diário de fechar vendas, eu torço quando um feriado pinta. Eu mereço.


Gosto do meu corpo. Adoro meus biquínis. Longe de ser presunçosa, mas é tão bom ver que os outros apreciam também. Os garotos, os homens e as mulheres. As mulheres exibindo no rosto uma inveja ora elogiosa ora despeitada. Os garotos buscando o desconhecido. E os homens? Muitos, malícia pura. Nem ligo. Curto os olhares. Curto a brisa batendo em meus cabelos. Desfilar no calçadão, ao contrário de São Paulo, é precioso e relaxante.



Sendo morena, o sol me é um grande parceiro. Óbvio, me cuido. Nada de insolação, ou bancar a lingüiça assando. A arte de aproveitar a praia é conhecer limites.


À tardinha, visto o shortinho, a sandália, após tomar uma chuvarada, e os brincos, e vou caminhar, quando não caçar uma cachoeira na companhia de uma galera. Acampar faz parte do repertório. Solitária ou acompanhada eu desbravo áreas novas. Tenho um quê de exploradora.


À noite, quando não acampada em lugar exótico, dou uma volta no shopping ou na orla da cidade. Um show de rock ou pop anima. Bebendo pouco ou nada de álcool, estou inteiraça para aproveitar a praia de manhã cedinho no domingo. Minha referência é Caraguá, mas sempre dou um pulo em São Sebastião, Ubatuba. Adoro passear nos points de Ilha Bela.



* ronaldo duran, romancista, colabora em jornais brasileiros. www.facebook.com.br

domingo, 13 de junho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - O MUNDO NO ESCURO

Olá, Amigo Leitor,


Bom começo de Copa do Mundo para você.


Abraços,



Ronaldo




O MUNDO NO ESCURO



No ponto de ônibus, espero. Uma voz quer-uma-ajuda me conduz até aos degraus do coletivo. Ouço um zumzumzum de pernas estralando. Outra voz senta-aqui me aloja num banco. Suponho que seja o da primeira fileira em função dos poucos passos que dei. Geralmente os aceito. Desenvolvi um faro para saber não se tratar de mulher gestante, com criança no colo ou pessoas mais necessitadas que eu. Nesses casos, fico em pé.


fonte: www.poderoculto.blogger.com.br/

Hoje está fazendo um ano de carteira assinada. Há um ano, estava meio ressabiado, deslocado, ainda que seja do tipo extrovertido. Agora, parece confundir sua personalidade com a da empresa. Sabe as manhas. Esquiva-se das possíveis surpresas dolorosas, e goza antecipadamente as agradáveis. Ora paizão, ora terror dos novatos. Ora amigo, ora colecionador de desafeto entre os veteranos. Segue tendo a certeza que está no caminho certo.

É um pouco de mim. Dois anos atrás. O acidente na parte da manhã na fábrica, nunca quinta-feira. No domingo levantei, melhor, despertei dos remédios. O primeiro choque: o mundo no escuro. E procurei abrir os olhos, e a luz não aparecia. Senti medo. Um calafrio na espinha. Gritei. Drogaram-me de novo.


Mais calmo, quase conformado, duas semanas depois estava sentado na cadeira de rodas descendo a rampa. Livre do hospital, aprisionado à escuridão pavorosa. Em casa, somente as vozes davam um ar de família. Tudo o mais não existia. Que saudade chegar em casa, correr ao banheiro e despejar a água no sanitário. Tive que ser conduzido por meus irmãos.

Nunca fui o operário padrão, com foto estampada como funcionário do mês: para a alegria dos chefes, ódio dos colegas e mico de si mesmo. Contudo, sempre curti trabalhar. Tomar ônibus lotado, às sete da manhã, bem exprimido, pisado no pé. Quando alegre, vibrando pelo Timão e quando brabo xingando o presidente. Assovia pras gatas que atiçavam meu instinto. Gentil com quem me era gentil. Ah, tinha as peladas de fim de semana, e se me deixassem no gol, o pau comia. No mínimo, meio campo.


Não que a cegueira tenha afastado meus amigos. Eles vêm me visitar. Até me levaram pro futebol. Pena que a coisa não virava. Eu ali paradão. Como vibrar com uma jogada, se não a via? Como concordar que uma menina é linda se não a vejo? Pior, estando cego, como jogar com eles? A condição de coitadinho do grupo me encheu e dei um tempo.


Hoje, me sinto melhor. Claro, se pudesse voltar um ano atrás, fugiria do acidente. Encostado pelo INSS, já não trabalho na fábrica. Mas conheci uma ONG e toco música para crianças em creches e escolas de periferia.




*ronaldo duran, escritor, colabora em jornais brasileiros. contato: http://www.facebook.com.br/

domingo, 6 de junho de 2010

CRÔNICA DA SEMANA - ABDOMINOPLASTIA

Olá, Leitor (a),


Enfrentar uma cirurgia não é fácil.
E cada vez mais mulheres buscam este procedimento
para atingir o que julgam ideal de corpo.

Contudo, deve-se ter cuidado... para não se escravizar.

Abraços,

Ronaldo






                                                            ABDOMINOPLASTIA*





Um ditado a sacudia mais que a tensão pré-operatória. Trata-se da frase que ouvia quando criança: quem não tem o que fazer, inventa. Tinha a nítida impressão que a vontade que a motivara para estar ali prestes a ter o estômago rasgado era fútil, coisa de quem não tem o que fazer. Mas agora não dava para recuar.



Por que recuaria? Basta lembrar o que a motivou. Que se recorde, nunca tivera um corpo escultural. Contudo, depois da gravidez, a situação de sua barriga se complicou. Se aos vinte anos tinha orgulho de colocar um biquíni ou qualquer peça que deixasse a barriga à vista, mal chegou aos trinta para a decepção ofuscar o prazer de ir à praia.






Torturava-se. À praia, quando acontecia de ir, tinha poucas opções. O maiô se impôs de vez, sem espaço para os shortinhos muito menos para os biquínis. Ainda vinha rodeado de uma toalha, que a moda chama de canga. Entrar na água, que tormento. Tinha que tirar a canga e, envergonhada, ir-se timidamente para água. O alívio vinha quando submersa. Ali, todas eram iguais: jovenzinhas esbeltas e mulheres mais fofinhas.





A tortura não para por aí. A presença do marido igualmente a oprimia. Sim, ele é super gentil. “Imagina! Você não está gorda. Pelo contrário, está no ponto”. Estas palavras amenizavam, mas nem de longe resolviam o problema. Ele a ama. Nota-se. Mas era homem, insistia ela. Como não vê que os olhos dele quase sem querer seguem os ventres mais salientes que desfilam a beira-mar. Punha a mão no fogo por ele, que jamais seria traída. Como impedir, contudo, o estrago da comparação, ainda que não admitida, sequer percebida pelo marido, diante das outras mais atraentes.



Por vezes sentia que era injusta com seu corpo e com seu marido. O primeiro sadio, sempre a manteve longe dos médicos. Forte, que a possibilitava inclusive fazer caminhadas e andar de bicicleta como exercícios diários. O segundo, homem carinhoso, honesto e incentivador, tudo de bom. Por que então as idéias lhe perturbavam.




O que a fazia sofrer era a impressão de que não era atraente suficientemente para si nem para seu marido. Esse pensamento a perturbou tanto, tanto, que não teve jeito. Apelou para a cirurgia. Não fora de uma hora, claro. Havia anos que ouvira falar na abdominoplastia. Outros tantos anos passou conjeturando se deveria ou não se submeter.



Após a cirurgia, vai para o quarto. Um grande corte à altura da cintura de uma ponta a outra, dá mostra que a intervenção cirúrgica profunda e agressiva requerer um bom tempo de repouso. Com a cabeça ainda dopada, horas mais tarde despertaria com a sensação de dever cumprido.


*ronaldo duran, escritor, colabora em jornais brasileiros. Visite o autor nas páginas do google.