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domingo, 15 de agosto de 2010

CRÔNICA DA SEMANA

VOZ DE MULHER*


por ronaldo duran*

Seria de estranhar eu receber dos meus colegas de trabalho e amigos e família o rótulo de ser um cara agressivo, insensível. Antes me chamam cuca fresca, ainda que levando a vida agitada na gerência de meu próprio negócio: uma casa de material elétrico. Quem me acusaria de estúpido no trato com o semelhante? Sou de carne e osso, sim. Por isso, de vez em quando tenho uns cinco minutos. E aí uma irritação com a esposa e acabo xingando. Uma brincadeira sem graça de cliente e ele sai ouvindo o que não queria. Odeio quando isto acontece. Parece que não sou eu. Definitivamente não sou do tipo que tem prazer em provocar ofensa.



Acontece que o destino me aprontou uma. Desenvolvi uma voz feminina. Bem, ninguém me disse pessoalmente. Tiro esta conclusão das infelizes vezes que ao telefone a voz desconhecida me trata por senhora. “Olha, a senhora quer anotar o número do protocolo?”, da vez que liguei para cancelar um serviço de telefonia. “Ah, a senhora poderia anotar o recado”, das vezes que ligam para minha esposa.


Nas primeiras vezes, achei inusitado. Voz de mulher, eu? Se eu fosse afetado, vai lá. Mas sou do tipo comum: pai de família, barba na cara, nariz enorme, rústico para quem não me conhece, segundo minha filha. E o cara me confundir com mulher?


Procurei não ligar. Mesmo buscava dissipar a dúvida. Quando tinha oportunidade dizia: “bem, meu nome é”. Do outro lado percebia o constrangimento: ah, sim, senhor. Repetia meu nome. Uns chegavam a pedir desculpa. Na maioria, soava um mero arranhar de garganta. O telemarketing é algo robótico, ansioso para despejar o falatório e fisgar o cliente, pouco prestando atenção na pessoa que está do outro lado da linha.


Chegou o dia que me enchi. Culpa dos cinco minutos que se estenderam por mais tempo? Pode ser. Não aguentaria mais um idiota me telefonar e me chamar de senhora. Que minha voz tenha o timbre feminino para fazer confundir quem me ouve ao telefone eu aceito, a contragosto, mas aceito. O que é imperdoável é sequer perguntar meu nome. Afinal, no Brasil, raríssimas exceções, o primeiro nome dá a certeza do sexo a que pertence o indivíduo.

Não tive que esperar muito. A vítima foi um telemarqueteiro de cartão de crédito. “A senhora poderia me chamar o senhor...?”, disse o jovem. “Ei cara, está me estranhando? Não sou senhora p. nenhuma”, desliguei. O telefone tocou três ou quatro vezes. Não saberia dizer se ele queria me pedir desculpa pela confusão de gênero ou revidar minha baixaria.

Saí de mim. Nunca fiquei tão nervoso. O que aconteceu comigo? Nem eu mesmo me reconheci.


*Escritor, colabora neste espaço toda semana. www.twitter.com/ronaldo_duran

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