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domingo, 22 de novembro de 2009

crônica - ronaldo duran






A JAULA*


Sempre que ouço o povo malhando alguém famoso como pessoa instável, volúvel, aproveitadora, quando o assunto é casório, eu fico na reserva. Quem tem culpa no cartório se cala para que o alvo de crítica não se volta para si.




Longe de mim comparar-me a um Don Juan em número de conquistas, e não é pelo fato de eu ser mulher, quarentona, pois tenho amigas que em nada perdem para os popstars. De casamento passei por dois. E estou no segundo namorado, que quer me enlaçar matrimonialmente.




O primeiro casamento, tinha a curiosidade sexual como atrativo, visto que era virgem.



Curiosidade, sim, ainda que inconsciente. Afinal no tempo em que eu era uma adolescente, o ficar ainda não estava institucionalizado, e pai e mãe eram muito amigos, mas igualmente castradores. Vigiavam-me mentalmente por onde eu estivesse.




Claro que quem quer sempre há como escapar. E curtir. E muitas curtiram e eu querendo ir no vácuo, me estrepei. De primeira, engravidei. Nada de neurose, adorei. Dei um salto, virei mãe e dona-de-casa, deixando para trás um emprego legal e uma promissora carreira para adentrar numa mais ainda promissora carreira maternal.




O príncipe do meu lado se transformou. Evito o clichê de que virou sapo. Porque até nós mulheres quando estamos interessadas em conquistar fingimos o que não somos, ainda que não percebamos esta atitude. Imagina o homem que tem mais pressa.




Ele começou a mamar álcool, destoar do que era quando namorávamos. Depois de comer um quilo de sal juntos é que se conhece um pouco o companheiro, diz o ditado.




E as brigas, os desentendimentos, os choros ora sufocados ou gritados, o desânimo visceral, desespero mortal, os dias de semana separados pelo trabalho, o fim de semana separados pela cachaça. Tá, tinha a parada básica, biologicamente determinada. Um beijo aqui, uma carícia ali. Mas chega uma hora que a aversão murcha qualquer libido e queremos mais é se esquivar.




O casamento por vezes parece ser uma jaula na qual se entra e jogamos a chave fora, e quando percebemos, damos de cara com os dentes caninos, as unhas afiadas, a língua venenosa do parceiro que achávamos ser a tal alma gêmea. Vai ver eu esteja exagerando. Vai ver é fruto dessa cabeça meio revoltada, mimada, que tendo tudo, não precisando sofrer por comida, emprego, salário, encana com coisas triviais. Quem sabe eu seja a insatisfeita.




Há quem viva com a Kama Sutra debaixo do braço, com o intuito de não deixar o fogo apagar. Mas viver a dois vai muito além da cama. A cama só é a porta de entrada numa relação duradoura, uma gota de água no oceano chamado casamento.




Por que a paixão diminui? Rebelar-se com esta realidade não se assemelha a revoltar-se contra o fato de que nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos?



Eu vou tratar de cozinhar meu arroz e feijão, lavar minha roupa, me preparar para receber ele à noite. Vamos namorar. Novamente vou fingir não ouvir o pedido de casamento. Até que ele volte para seu apartamento e eu tranque o meu.









Romancista, colabora em jornais. www.ronaldoduran.com

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