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sábado, 2 de maio de 2009


PEDAGOGIA POLÍTICA


por marcio masella e roberta braga capalbo*


Quando pensamos em ser humano é fundamental considerar que somos seres condicionados e não determinados. Isso significa dizer que ninguém nasce pronto e com características de ser pré-determinadas. O ser determinado significaria uma não possibilidade de mudança. Nos fazemos no mundo, somos condicionados, capazes de nele intervir, construir, transformar, decidir. Fazemos parte do mundo. Ao nos colocarmos como tal somos também construtores da história e isso nos torna, eminentemente, seres políticos.


“Somos, antes de mais nada, construtores de sentido, porque, fundamentalmente, somos construtores de nós mesmos(...)”[1]


A partir desta consideração de Cortella, percebemos que o fazer da prática nos faz refletir as ações que envolvem a tomada de consciência de que somos, antes de mais nada, agentes de nós mesmos. O educador em sua prática pedagógica está constantemente construindo pilares de sustentação para uma ação-reflexão-ação.


Não há ação, consciente ou não, que não traga sua concepção política inserida. Não há ações neutras. Agimos sempre de acordo com nossos valores, nossas crenças, concepções e bagagem de cultura que nos permitem intervir desta ou daquela maneira no mundo.


Berthold Brecht afirma que não há pior analfabeto do que o analfabeto político. Segundo Brecht sua ignorância não decorre da incompreensão dos símbolos gráficos que, articulados, formam palavras, mas da sua ignorância quanto à compreensão de que a totalidade das relações que vivencia em sociedade são políticas. E que, portanto, do preço do pão ao acesso às atividades de entretenimento, das relações de vizinhança às relações familiares, todas são marcadas pela política. Por conseqüência, segundo Brecht, ignorar a política é ignorar, na essência, a compreensão da totalidade das relações que todo ser humano sociabilizado vivencia nas suas mais abrangentes expressões sociais, sejam elas profissionais, afetivas, econômicas, religiosas, familiares, etc.. Paulo Freire, em seu livro Conscientização[2], traz ainda, a idéia da alfabetização política como prática de domesticação dos homens ou como prática libertadora, sendo que no segundo caso a liberdade é uma conscientização de si mesmo.


É, pois, deste instigante ponto de partida, que a política é compreendida como uma prática social múltipla e cotidiana, que se insere na realidade de todo e qualquer homem.


Mas o que é política? O termo política tem, no mínimo, duas grandes vertentes interpretativas das quais decorrem definições mais precisas: a primeira, que deve sua expansão principalmente à obra intitulada Política de Aristóteles[3], concebe a política como toda prática social que envolve a vida na polis (cidade-estado grega). Ou seja, ao público, ao civil, ao sociável; a segunda vertente, mais familiar ao senso-comum, refere-se aos estudos e práticas mais diretamente relativas ao Estado. Obviamente, Brecht encaixa-se na primeira vertente, que, assim como Aristóteles, entende que o homem é, por natureza, um animal político e que, portanto, a política não está restrita às questões do Estado, pelo contrário, é muito mais abrangente.


É a partir deste contexto que a Pedagogia Política é compreendida como uma prática social múltipla e cotidiana, que se insere na realidade de todo e qualquer homem sociabilizado.
(...) é neste sentido também que, tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra quê, desenvolvemos a atividade política. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais percebemos a impossibilidade de separa o inseparável: a educação da política.[4]


Paulo Freire, que foi na contramão do tecnicismo que vem acontecendo na área da educação, não admitia educação como método ou técnica neutra. Ele nega esta neutralidade. Para ele a educação é ato político.


As principais questões teóricas e metodológicas da educação necessitam ser colocadas para o estudo e a compreensão da realidade social. Compreender, analisar, criticar e explicar os fatos, as estruturas e os processos sociais são desafios que estão colocados no cotidiano de todos nós, educadores.


Um conjunto de saberes pedagógicos, um compromisso, uma postura. Temos que constituir uma nova cultura pedagógica que represente o povo brasileiro. A educação viria, então, para “resolver estes problemas”[5]. Esta cultura política dominante invadiu a cultura pedagógica.


Falamos em educar para a cidadania consciente. Pode nos guiar a idéia de que o povo tem falsa consciência ou que ele é, lamentavelmente, inconsciente.


Consciência, em Paulo Freire, é algo muito mais totalizante. Não vem de fora. Está atrelada às práticas culturais e políticas vivenciadas na produção da existência. A obra de Freire em que expressa, com força, sua visão dos processos educativos tem como título Pedagogia do Oprimido. Este é o sujeito da pedagogia. A ação pedagógica é do oprimido. Esta visão se contrapõe à negativista, inculta, ignorante, inconsciente do povo, tão enraizada na política e na pedagogia.


A educação é uma prática política ao manifestar e instituir concepções de sociedade, de relações (individuais ou de grupos de classe), de divisão social do trabalho.


Entre os teóricos da educação brasileira, além de Paulo Freire, que se preocupam com a interação entre educação e política ao longo da construção de seus respectivos discursos pedagógicos, destaca-se Demerval Saviani[6]. Ambos advogam a indissociabilidade entre as práticas educativas e a política.


A prática e a teoria educativa não contém apenas aspectos políticos, mas revela-se política integralmente nos seus mínimos instantes e detalhes. Os conteúdos programáticos escolares, por exemplo, revelam escolhas, opções e preferências sociais, culturais e ideológicas, mesmo quando proclamam o contrário e tentam efetivar-se como neutralidade científica. Os professores trabalham esses conteúdos conforme sua visão de mundo, idéias, práticas, representações sociais, seus símbolos e signos. Os alunos constroem conhecimentos, filtrando-os ou não, também conforme suas escolhas e preferências, embora tanto o educador quanto os alunos sigam normas sociais escolares. Estas, por sua vez, são ditadas segundo determinações opções, escolhas. E assim, de modo sucessivo, nas múltiplas relações escolares estão presentes, em todos os seus momentos, a inseparabilidade e as especificidades da educação e da política.


Conforme Saviani, a especificidade da política está no “vencer”, enquanto a pedagógica está no “convencer”[7]. Mas como nesta visão o “vencer” político passa necessariamente pelo “convencer” pedagógico, se faz com que a política seja permeada pela pedagogia. Ao mesmo tempo o “convencimento” pedagógico constitui pressuposto para a “vitória” política, ou seja, toda pedagogia implica um ato político.


O ato pedagógico proporciona ao homem muito mais que a simples alfabetização, pois através da discussão dos problemas locais, regionais e nacionais, torna-o mais crítico e leva-o, posteriormente, a se conscientizar e a se politizar.

“(...)Não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade da educação.”

O educador no seu fazer pedagógico precisa assumir o espaço educativo como um ambiente de relações sociais, onde a realidade se expressa na construção de idéias que se colocam conflituosas, contraditórias e que se concretizam na formação da prática política.


Ao assumir este fazer político pedagógico consciente, o educador, de fato, trabalha na perspectiva de convencimento em prol da necessidade de uma ação contrária, tornando o sujeito libertador da prática do opressor.


“Acho que o papel de um educador consciente progressista é testemunhar a seus alunos, constantemente, sua competência, sua amorosidade, sua clareza política, a coerência entre o que diz e o que faz, sua tolerância, isto é, sua capacidade de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos. É estimular a dúvida, a crítica, a curiosidade, a pergunta, o gosto do risco, a aventura de criar.”[8]

[1] CORTELLA, Mário Sérgio. A Escola e o Conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 7ed.São Paulo: Cortez, 2003
[2] FREIRE, Paulo. Conscientização:teoria e prática da libertação:uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001

[3] ARISTÓTELES, Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
[4] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p.27,1987
[5] Aqui a frase aparece entre aspas para enfatizar nossa crença de que a educação pode muito, mas não pode tudo.
[6] Conscientização:teoria e prática da libertação:uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Centauro, 2001

[7] Entendido como uma busca coletiva pelo ser mais, capaz de desafiar os sujeitos para um compromisso transformador
[8] FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade.. São Paulo: Cortez, 2001

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