Satoshi Kanazawa[2]
O geneticista britânico Steve Jones recentemente fez uma palestra no University College London intitulada A evolução humana acabou? A resposta a sua própria pergunta é sim. Eu concordo com Jones que a evolução humana praticamente cessou, mas por razões inteiramente diferentes.
O geneticista britânico Steve Jones recentemente fez uma palestra no University College London intitulada A evolução humana acabou? A resposta a sua própria pergunta é sim. Eu concordo com Jones que a evolução humana praticamente cessou, mas por razões inteiramente diferentes.
Seu argumento é o de que a evolução humana, pelo menos nas sociedades ocidentais, parou ou retardou porque poucos homens mais idosos em tais sociedades reproduzem.
O esperma dos homens mais idosos carrega muito mais mutações do que o de homens mais jovens. As mutações fornecem a fonte de variações genéticas em que a seleção natural trabalha. Assim, sem pais mais velhos, sem mutações genéticas, sem evolução.
Jones pode estar certo; entretanto, eu creio que ele está estimando para mais a época em que evolução humana parou. Eu penso que parou faz aproximadamente 10.000 anos, com o advento da agricultura.
A evolução ocupa muitas gerações, sendo a velocidade de evolução de uma espécie relacionada ao tempo necessário para o amadurecimento sexual dos indivíduos da espécie para que comecem a reproduzir (outra importante determinante da velocidade de evolução é a força da pressão de seleção, que, no momento, permanece constante).
A evolução acontece mais rapidamente para espécies de amadurecimento rápido e mais lentamente para espécies de amadurecimento mais vagaroso. As moscas de fruta, as drosófilas, são exemplos de uma das espécies de amadurecimento rápido na natureza, e os seres humanos são exemplos de uma das mais lentas. Leva somente sete dias para que as drosófilas amadureçam sexualmente sob circunstâncias ideais, ao passo que para seres humanos são necessários de 15 a 20 anos. Significa dizer que pode haver mais de 50 gerações de drosófilas em um ano, antes que um bebê humano possa mesmo começar a andar.
Há mais de mil gerações de drosófilas em uma geração humana (20 anos), sendo necessários mais de 20.000 anos para a mesma quantidade de gerações humanas. A evolução para drosófilas pode acontecer bastante rapidamente, razão pela qual é a espécie favorita para que os geneticistas estudem. A evolução humana acontece muito, muito mais lentamente. Nenhum cientista pode vê-la em ação do modo que pode observar a evolução da mosca de fruta ocorrendo no laboratório.
A seleção natural sob muitas circunstâncias exige um ambiente estável, constante para muitas, muitas gerações (mais uma vez, a menos que a pressão da seleção seja extremamente forte). Por exemplo, se o clima permanecer muito frio por séculos e milênios, gradualmente indivíduos com a melhor resistência ao frio serão favorecidos pela seleção natural, e seus vizinhos que têm menos resistência ao frio (que são mais adaptados a um clima quente) morrerão antes que possam deixar muitas crianças.
Isto acontecerá geração após a geração, até que um dia todos os seres humanos tenham grande resistência ao frio: um traço novo - resistência ao frio - teria evoluído e se tornado parte da natureza humana universal. Mas este traço não poderia ter evoluído se o clima ficasse frio durante um século (somente cinco gerações humanas, embora 5.200 gerações de drosófilas) e então quente por outro século, para ficar novamente frio no terceiro século. A seleção natural não saberia quem (que traços) selecionar.
Desde o advento da agricultura, há aproximadamente 10.000 anos, e o nascimento da civilização humana que logo se seguiu, os seres humanos não têm um ambiente estável de encontro ao qual a seleção natural possa operar. Por exemplo, há meros dois séculos (10 gerações) os Estados Unidos e o resto do mundo ocidental eram largamente agrários; muitas pessoas eram fazendeiras. Na sociedade agrária, homens conseguiram status mais elevado sendo os melhores fazendeiros; aqueles que possuíram determinados traços que os fizeram bons fazendeiros tiveram um status mais elevado e assim maior sucesso reprodutivo do que os que não possuíram tais traços.
Então, somente um século mais tarde, os Estados Unidos e a Europa tornaram-se sociedades predominantes industriais; a maioria dos homens viveu para as fábricas. Os traços que fazem os homens bons operários (ou, melhor ainda, proprietários de fábricas) podem ou não ser os mesmos que lhes fazem bons fazendeiros.
Determinados traços - tais como a inteligência, a diligência, e a sociabilidade – provavelmente permaneceram importantes, mas outros - tais como sensibilidade para a natureza, o solo, e os animais, e a habilidade para trabalhar ao ar livre ou prever o tempo - deixaram de ser traços importantes, e outros - tais como a pontualidade, a habilidade de seguir instruções, sensibilidade para a maquinaria ou aptidões mecânicas, e a habilidade de trabalhar em ambiente fechado - de repente se tornaram importantes.
Agora, somente um século mais tarde, estamos numa sociedade pós-industrial, onde a maioria não trabalha nem como fazendeiros nem como operários, mas na indústria de serviços. Os computadores e outros dispositivos eletrônicos tornaram-se importantes, e um conjunto inteiramente novo de traços é necessário para ser bem sucedido. Bill Gates e Sir Richard Branson (e outros homens bem sucedidos atuais) poderiam não ter sido bem sucedidos como fazendeiros ou operários.
Todas estas mudanças dramáticas aconteceram dentro de 10 gerações, e não se pode dizer o que o próximo século trará e que traços serão necessários para ser bem sucedido nele. Nós vivemos em um ambiente instável, em permanente mudança, e assim o fizemos por aproximadamente 10.000 anos.
Para centenas de milhares de anos antes, nossos antepassados viveram como caçadores-coletores na savana africana e em outras partes, num ambiente estável e imutável ao qual a seleção natural podia responder. Eis porque todos os seres humanos têm hoje os traços que lhes fariam bons caçadores-coletores na África – nos homens, a maior habilidade espaço-visual, que lhes permitiu retornar para casa com segurança, sem qualquer mapa ou GPS, após seguir animais numa caçada durante dias e quilômetros; nas mulheres, a maior memória de posição de objeto, que permitiu que recordassem onde árvores e arbustos frutíferos estavam para que retornassem lá a cada estação para a colheita, mais uma vez sem mapas ou marcos permanentes.
Nos últimos 10.000 anos, entretanto, nosso ambiente tem mudado demasiadamente rápido para que a evolução ocorra. A evolução não pode trabalhar contra alvos móveis. Isso explica porque os seres humanos não têm evoluído em nenhuma direção previsível desde aproximadamente 10.000 anos.
Eu me antecipo em acrescentar que determinadas características de nosso ambiente permaneceram as mesmas - nós sempre tivemos que conviver bem com outros seres humanos, e também sempre tivemos que encontrar e manter nossos (as) companheiros (as) – assim, certos traços, como a sociabilidade ou a atração física, foram favorecidos sempre pela seleção natural e sexual.
Mas outras características de nosso ambiente mudaram muito rapidamente em relação ao tempo de geração de nossa espécie, de uma forma relativamente aleatória: quem poderia ter previsto computadores e a internet há um século? Desta maneira, nós não temos sido capazes de nos adaptar e evoluir contra um alvo (ambiente) em constante movimento.
Pesquisa e tradução: Marcos Brunini (marcosbrunini@yahoo.com.br)
Pesquisa e tradução: Marcos Brunini (marcosbrunini@yahoo.com.br)
[1] Why human evolution pretty much stopped about 10.000 years, disponível em http://www.psychologytoday.com/blog/the-scientific-fundamentalist/200810/why-human-evolution-pretty-much-stopped-about-10000-years Acesso em janeiro/2009.
[2] Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista, leciona na London School of Economics and Political Science e é coautor (com Alan S. Miller) de Por Que Homens Jogam e Mulheres·Compram Sapatos - Como A Evolução Molda Nosso Comportamento. Rio de Janeiro: Prestigio Editorial. 2007.