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domingo, 3 de maio de 2009


NÃO SOU ASSIM

por ronaldo duran*



Queria ser normal. Ter aspecto bom. Um cara atraente. Nada desta corcunda pronunciada. De quebra podia melhorar o peitoral. O pescoço ereto, não quebrado pro lado direito. O nariz não precisava ser de galã de novela, vai, porém delgado, longe deste horroroso buraco. Que as pernas fossem iguais, simétricas. Quanto à altura não sei se uma mudança faria diferença. Tom Cruise e Getúlio Vargas, baixinhos de sucesso, né?


Desde cedo, aprendi a fazer troça da própria miséria. Residiria aí a essência do nirvana? Se não agisse assim, a vida pareceria um inferno. Na adolescência, que tormento. À época dos treze aos dezesseis anos, quando procuramos auto-afirmação, se todo adolescente se sente feio, deslocado, desengonçado, imagina eu. Tinha o espelho e colegas babacas para me zoar. A situação era tão crítica, que quando me chamavam de Corcunda de Notre Dame, eu saia no lucro.


Juro, quando fiz 20 anos, achei que recorreria à zona para conhecer o sexo feminino, tamanho era o afastamento que pensava provocar nas meninas. Sim, tinha ótimas e sinceras amigas. Mas quando alguém chegava a brincar “Eu acho que você vai namorar com o Corcunda”, pronto, era motivo para umas diminuírem o contato. Raro negavam com palavras tal possibilidade. Para quê? Ouvir que “ele um dia achará alguém especial” servia para dar o chute no traseiro.


Pintou uma mulher, linda de espírito. Gostou do meu papo? Sentiu pena? Quis lutar contra os preconceitos? Me ama de verdade? Nem quero saber. Com ela me livrei da posição de celibato e tive um pimpolho, que é a razão de minha vida.


E no trabalho? Bem, agora tá tranqüilo. Aquilo de lei pra deficiente ajudou um pouco, do contrário de que maneira conseguiria entrar como auditor na receita federal? Tudo bem, que por não ser muito popular com as garotas e nem o bambambá nas rodas de amigos, eu tive que me refugiar nos estudos. Quando entrei para fazer matemática, sabia mais que o professor que lecionava estatística, pode? Tamanha era minha dedicação, ou para uns, meu escapismo.


Não sou assim. Eu não sou como me vejo no espelho: tão feio, tão repelente. Tem dia que eu levanto animado. A aurora me convidando a sonhar. Cheio de disposição, pego minha melhor roupa, a pasta, as chaves do carro. Tudo indicando uma pessoa normal, que se ama. Quem joga água fria no meu ego são os malditos espelhos. Não o de casa, pois de tanto eu procurar, achei um ângulo mais confortável à minha fisionomia. Mas os da rua, do trabalho, esses são desumanos. Me mostram a imagem nua e crua. E daí pra mergulhar na depressão é um pulo. Quem sabe um dia eu amadureça? Vai ser difícil. As pessoas me olham com pena, com asco, com a expressão velada aí-que-dó-aquele-sim-deve-sofrer.

*Romancista, colabora com crônicas toda semana em jornais.

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