Satoshi Kanazawa[2], 28/03/2008.
A religião é um universal cultural. Os seres humanos, em todas as sociedades conhecidas, praticam algum tipo de religião. Portanto, é tentador acreditar que a religiosidade é parte da natureza humana evoluída, que seres humanos são evolutivamente projetados para serem religiosos. Bem, a resposta é sim e não.
Em meu último post, discuti como a Teoria de Manejo do Erro de Haselton e Nettle explicam a leitura intersexual de mentes, por que homens sempre superinferem o interesse sexual das mulheres por eles. Uma das grandes características da Teoria de Manejo do Erro é que ela pode explicar uma grande variedade de fenômenos. É uma teoria verdadeiramente geral.
Imagine que você é nosso ancestral vivendo na savana africana, 100.000 anos atrás, e aí se depara com alguma situação ambígua. Por exemplo, você ouviu alguns ruídos abafados bem próximos, durante a noite. Ou então, você estava andando na floresta, e uma grande fruta cai do galho de uma árvore e bate na sua cabeça. O que está acontecendo?
Em uma situação ambígua como essa você pode atribuir o fenômeno a forças impessoais, inanimadas, e não intencionais (por exemplo, o vento soprando delicadamente e provocando um barulho sussurrado entre os arbustos e as folhas, ou a fruta madura que cai pela força da gravidade e o atinge na cabeça por puro acidente) ou a forças pessoais, animadas, e intencionais (por exemplo, um predador escondendo-se no escuro, preparando-se para atacá-lo, ou um inimigo que se esconde entre os galhos da árvore e atira frutas em sua cabeça). A pergunta é: o que está acontecendo?
Mais uma vez, a Teoria de Manejo do Erro sugere que, em sua inferência, você pode cometer o erro do “Tipo I” falso-positivo, ou erro do “Tipo II” falso-negativo, e estes dois tipos de erro carregarem conseqüências e custos bastante diferentes. O custo de um erro falso-positivo é que você se torna paranóico. Você está sempre olhando em torno e atrás de si, procurando predadores e inimigos que não existem. O custo de um erro falso-negativo é que você será morto, abatido por um predador ou inimigo quando você menos os esperava. Obviamente, é melhor ser paranóico do que morto, assim a evolução deve ter projetado uma mente que superestime a ocorrência de forças pessoais, animadas, e as intencionais, mesmo quando nenhuma delas existe.
Diferentes teóricos chamam esta tendência humana inata de cometer mais erros falso- positivo do que erros falso-negativo (e consequentemente para ser um pouco paranóico) de “viés animista” ou “mecanismo detector de atividade”. Esses teóricos argumentam que as origens evolucionárias das crenças religiosas em forças sobrenaturais podem ter vindo de tal viés cognitivo inato para cometer erros falso-positivo, e assim superinferir a presença de forças pessoais, intencionais e animadas por trás de fenômenos perfeitamente naturais.
Você vê um arbusto em chamas. Poderia ter sido causado por uma força impessoal, inanimada, e involuntária (relâmpago que cai no arbusto e o incendeia), ou poderia ter sido causado por uma força pessoal, animada, e intencional (Deus que tenta se comunicar com você). O viés animista predispõe você a optar pela última explicação. Predispõe você a ver as mãos de Deus em atividade por trás de fenômenos naturais, físicos, cujas causas exatas são desconhecidas.
Nesta visão, a religiosidade (a capacidade humana para acreditar em seres sobrenaturais) não é uma tendência evoluída per se; apesar de tudo, a religião não é em si adaptativa. Em vez disso é um subproduto do viés animista, subproduto da tendência para ser paranóico, que é adaptável porque pode conservar sua vida. Os seres humanos não evoluíram para serem religiosos; evoluíram para serem paranóicos. E os seres humanos são religiosos porque são paranóicos.
Alguns leitores podem reconhecer este argumento como uma variação da “Aposta de Pascal”. O filósofo francês do século XVII, Blaise Pascal (1623-1662), argumentou que dado que ninguém pode saber com certeza se Deus existe, é, todavia, racional acreditar Nele. Se a pessoa não acredita em Deus quando Ele na verdade existe (erro falso-negativo), essa pessoa vai passar a eternidade no inferno e na danação, ao passo que se acredita em Deus quando Ele na realidade não existe (erro falso-positivo), vai desperdiçar somente uma pequena quantidade de tempo e de esforços gastos em cultos religiosos. O custo de cometer o erro falso-negativo é muito maior do que o custo de cometer o erro falso-positivo. Por isso, racionalmente se deve acreditar em Deus.
Entretanto, Pascal não pode explicar porque os homens sempre cantam as mulheres, enquanto que Haselton e Nettle podem. A sugestão intrigante aqui é que nós podemos acreditar em Deus e nas forças sobrenaturais pelas mesmas razões que os homens superinferem o interesse sexual das mulheres por eles e fazem tentativas repudiadas o tempo todo. As crenças religiosas e a comunicação sexual falha entre os sexos podem ser consequências do cérebro humano projetado para o manejo eficiente do erro, a fim de minimizar os custos totais (mais do que a quantidade total) dos erros. A gente pode acreditar em Deus pela mesma razão que as mulheres têm para continuar esbofeteando Beavis e Butt-head tentando pô-los na linha.
*Marcos Brunini, pesquidor e tradudor, escreve nesta coluna quinzenalmente.
[1] Why do we believe in God? II, disponível em http://www.psychologytoday.com/blog/the-scientific-fundamentalist/200803/why-do-we-believe-in-god-ii, acessado em 22/01/2009
[2] Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista, leciona na London School of Economics and Political Science e é coautor (com Alan S. Miller) de Por Que Homens Jogam e Mulheres·Compram Sapatos - Como A Evolução Molda Nosso Comportamento. Rio de Janeiro: Prestigio Editorial. 2007.
[2] Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista, leciona na London School of Economics and Political Science e é coautor (com Alan S. Miller) de Por Que Homens Jogam e Mulheres·Compram Sapatos - Como A Evolução Molda Nosso Comportamento. Rio de Janeiro: Prestigio Editorial. 2007.
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