AINDA O MITO DO REBAIXAMENTO PENAL
Ivan de Carvalho Junqueira*
De há muito se houve o falacioso discurso a clamar pelo rebaixamento da idade penal, havendo, inclusive, dezenas de projetos no Congresso Nacional direcionados a tal intento, não obstante a explícita vedação constitucional em se considerando a chamada cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º, IV).
De tempos em tempos, noticia a mídia, rebeliões e/ou fugas de adolescentes em locais que, a priori, deveriam (re)educar (com o perdão da terminologia) pessoas, trazendo-as de volta ao convívio em liberdade, uma vez esgotado determinado lapso de tempo (por até três anos) o que, à prática, longe está de se reproduzir. O Estado, salvo raríssimas exceções (pontuais, diga-se), vêm concedendo aqueles a quem se atribui a autoria de um ato de natureza infracional e, portanto, passíveis de responsabilização, tratamento não raro semelhante aos adultos cerceados do direito de ir e vir, tão-só retribuindo o mal antes causado, cujas unidades e internatos - de forma reiterada - não vêm cumprindo com a finalidade na qual foram concebidos, aplicando-lhes o método prisional, em meio a práticas e procedimentos de viés ainda “irregular”, ora assistencialista, em detrimento, outrossim, da Doutrina da Proteção Integral preconizada pelas Nações Unidas.
Em outro prisma, certos meios de comunicação acabaram por assumir um papel não apenas de informadores, mas, por vezes, de manipuladores de opinião, trazendo à tona pontos de vista explicitamente direcionados a este ou aquele fim, induzindo a população a acreditar, de modo veemente, que os índices de violência e criminalidade ou, ainda, que a perversidade dos adolescentes são muito mais alarmantes do que se imagina, exacerbando, a partir daí, os vingativos sentimentos de uma sociedade já doente e ansiosa por punição a exigir um maior endurecimento em sede criminal às mais diversas vertentes, pois, sob esta ótica, acreditam, seriam reduzidos aqueles fatores.
Ora, basta analisar qualquer estatística para que se observe qual a verdadeira contribuição dos menores de dezoito anos com relação à ocorrência de condutas equiparadas a delitos. Sob o espanto de muitos, ver-se-á que a parcela, uma vez comparada com a dos imputáveis, é bastante inferior (10%, talvez), sendo que, deste total, mais da metade vêm a incidir sobre o patrimônio das vítimas (roubos e furtos). Os chamados crimes dolosos contra a vida, tais quais, o homicídio e a lesão corporal, v.g., possuem índices ainda mais baixos. Todavia, não é o que se divulga.
A despeito de outras ponderações, comenta-se, também, que na atual conjuntura, com o “avanço” das sociedades e à era da informação, a faixa etária de dezoito anos seria, supostamente, elevada, considerando-se que indivíduos com menor idade já teriam o discernimento suficiente para saber o que é certo ou errado. Ninguém duvida. Partindo-se daí, criou-se um verdadeiro mito em face do reducionismo da idade de responsabilização penal para, quem sabe: 16, 15, 14, 13 anos... Nos países de tradição “common law”, por exemplo, punem-se crianças com apenas sete anos, tal o caso de algumas regiões dos Estados Unidos, o que, data vênia, se mostra incompreensível, ainda que relevada a diferença do referido sistema a abarcar outros costumes. Já na Inglaterra, o mínimo penal se situa em dez anos. Na América Latina, adota a Argentina, os dezesseis anos.
Por óbvio, uma criança com sete ou oito anos já possui um grau de discernimento, isto é inegável. Sem contar que, à égide contemporânea, o volume de informações então passado a ela, impõe-se numa velocidade surpreendente, seja em âmbito familiar ou em qualquer outro veículo, vindo a moldar o pensamento do “menor” (expressão ainda usual, embora pejorativa). Contudo, o supracitado fator não deve ser visto de forma exclusiva, preponderante, isto porque, a questão não é tão simples. Hipoteticamente, em se recepcionando o reducionismo penal, ademais da afronta à própria Magna Carta brasileira, quão supramencionado, esta arbitrariedade acarretaria uma infinidade de outros problemas, não bastassem os existentes. Em termos práticos, superlotaria ainda mais os presídios brasileiros, onde, um condenado pelo furto de meia dúzia de pães vem a cumprir pena no mesmo local que um indivíduo punido por um atentado contra a vida de outrem ou, quem sabe, um traficante de drogas, desprezando-se, outra vez, a Lei Maior ao afirmar que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (CF, art. 5.º, XLVIII).
E o que é pior: ao final, chegar-se-á à triste constatação, já evidente, de que os crimes então perpetrados não diminuíram. Neste momento, será tarde demais.
Com efeito, o excessivo apelo ao consumismo muito estimula, embora não seja desculpa, os seres humanos que, dia-a-dia, mantidos são à margem do sistema social pela falência e mesmo incompetência do Estado e de sucessivos Governos cegos socialmente, enquanto fomentadores às condições mínimas de subsistência de todo e qualquer cidadão. Constata-se, outra vez, a terrível imposição dos meios de comunicação de massa em seu célebre posicionamento à difusão da chamada “ideologia do ter”, a incentivar a aquisição de bens de consumo, ao despertar do desejo e da cobiça de muitos, já cansados de nada possuir.
O respeito à criança e ao adolescente é pressuposto fundamental à recepção do próprio Estado Democrático de Direito, pluralista e defensor dos direitos humanos.
* Bacharel em Direito. Seu mais recente livro publicado é: Do ato infracional à luz dos direitos humanos (2009).
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