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sexta-feira, 10 de abril de 2009


UMA CULTURA HUMANA[1]


por Satoshi Kanazawa[2], 11/052008.









As pessoas falam frequentemente da cultura no plural (“culturas") porque acreditam que há muitas diferentes culturas no mundo. De certo ponto de vista isto é naturalmente verdadeiro; a cultura americana é diferente da cultura chinesa, ambas diferentes da cultura egípcia, e assim por diante. Entretanto, todas as diferenças culturais estão na superfície; lá no fundo, no nível mais fundamental, todas as culturas humanas são essencialmente a mesma.

Sim, a cultura e a socialização importam para o comportamento humano, até certo ponto. Mas o grave erro de sociólogos tradicionais e de outros sob a influência do Modelo Clássico das Ciências Sociais (MCCS, ou, em inglês, Standard Social Science Model, SSSM) - um termo atribuído aos co-fundadores da psicologia evolucionista, Leda Cosmides e John Tooby - é acreditar que o comportamento humano é infinitamente maleável, capaz de ser moldado e formatado ilimitadamente de todo jeito pelas práticas culturais e pela socialização. A evidência disponível mostra que esta visão é falsa. O comportamento humano, quando maleável, não é infinitamente maleável pela cultura, porque a cultura não é infinitamente variável. De fato, apesar de todas as diferenças superficiais e menores, os psicólogos evolucionistas mostraram que todas as culturas humanas são essencialmente a mesma.

Para usar uma metáfora famosa, criada pelo antropólogo cultural Marvin Harris, é verdadeiro que, superficialmente, as pessoas em algumas sociedades consomem carne de vaca e veneram porcos como objetos religiosos sagrados, enquanto outros consomem carne de porco como alimento e adoram vacas como objetos religiosos sagrados. Em nível concreto há variedade cultural. Entretanto, a carne de vaca e a carne de porco são proteínas animais (como são os cães, as baleias, e os macacos), porcos e vacas são entidades animadas (como são Buda, Alá, e Jesus), e as pessoas em toda sociedade humana consomem proteínas animais e veneram entidades animadas (como eu expliquei em um post anterior[3]). Neste nível abstrato, não há nenhuma exceção, e todas as culturas humanas são a mesma. Não há nenhuma variabilidade infinita na cultura humana, no sentido de que não há nenhuma cultura em que as pessoas não consumam proteína animal ou adorem entidades animadas.

Para usar um outro exemplo, é verdadeiro que as línguas faladas em culturas diferentes parecem completamente diferentes, como sabe qualquer um que tentou aprender uma língua estrangeira. A inglesa é completamente diferente da chinesa, nenhuma delas se parecendo com a árabe. Apesar destas diferenças na superfície, entretanto, todas as línguas humanas naturais têm em comum o que o linguista Noam Chomsky chama de “a estrutura profunda” da gramática. Neste sentido, as línguas inglesa e chinesa são essencialmente a mesma, no sentido de que as carnes de vaca e de porco são essencialmente a mesma.

Toda criança em desenvolvimento normal pode crescer e falar qualquer língua humana natural. Não obstante a língua que seus pais genéticos falem, as crianças em desenvolvimento normal são capazes de crescer e terem como língua humana nativa a inglesa, chinesa, árabe, ou qualquer outra língua humana natural. De fato, quando um grupo de crianças cresce sem nenhum adulto para lhes ensinar uma língua, elas inventam sua própria língua humana natural, completa e com gramática. Isto não significa, entretanto, que a capacidade humana para a linguagem seja infinitamente maleável. As crianças não podem crescer e falar uma língua não natural como o FORTRAN ou a lógica simbólica, em que pese o fato de que estas são, de longe, mais lógicas e mais fáceis de aprender do que qualquer linguagem natural (nenhum verbo irregular, nenhuma exceção às regras). Sim, uma criança em desenvolvimento normal pode crescer e falar qualquer língua, visto a língua ser um produto da evolução humana, não uma invenção recente de cientistas da computação.

Pierre van den Berghe, o sociobiólogo pioneiro da Universidade de Washington, coloca melhor a questão quando diz:

Certamente nós somos únicos, mas nós não somos únicos em sermos únicos. Cada espécie é única e evoluiu sua originalidade na adaptação a seu ambiente. A cultura é a maneira humana única de adaptação; mas a cultura também evoluiu biologicamente.

Apesar de todas as diferenças de superfície, há somente uma cultura, porque a cultura, como nosso corpo, é um produto adaptado da evolução humana. A cultura humana é um produto de nossos genes tanto quanto são as nossas mãos e o pâncreas.

Biologicamente, seres humanos são muito fracos e frágeis; nós não temos caninos desenvolvidos para combatermos os predadores ou para caçarmos nossas presas, nem pêlos para proteger-nos do frio extremo. A cultura é o mecanismo de defesa com que a evolução nos equipou para nossa proteção, de modo que pudéssemos herdar e então passar adiante nosso conhecimento sobre fabricação de armas (para combatermos os predadores e caçarmos as presas) ou sobre vestuário e abrigo (proteção do frio extremo). Nós não precisamos de dentes afiados ou de pêlos porque nós temos a cultura. E tanto quanto -- apesar de algumas diferenças individuais menores -- todos os tigres, que têm mais ou menos os mesmos dentes afiados, e todos os ursos polares, com mais ou menos os mesmos pêlos, todas as sociedades humanas tem mais ou menos a mesma cultura. Os caninos são um traço universal de todos os tigres; o tipo de pele é um traço universal de todos os ursos polares. Assim, a cultura é um traço universal de todas as sociedades humanas. Sim, a cultura é um universal cultural.




Pesquisa e tradução: Marcos Brunini (marcosbrunini@yahoo.com.br)
São Paulo – SP, janeiro de 2009.
[1] There is only one human culture, disponível em http://blogs.psychologytoday.com/blog/the-scientific-fundamentalist/200807/why-are-almost-all-criminals-men-part-i, acessado em 12/01/2009

[2] Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista na London School of Economics and Political Science e coautor (com Alan S. Miller) de Por Que Homens Jogam e Mulheres·Compram Sapatos - Como A Evolução Molda Nosso Comportamento. Rio de Janeiro: Prestigio Editorial. 2007.

[3] http://blogs.psychologytoday.com/blog/the-scientific-fundamentalist/200803/why-do-we-believe-in-god-ii

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