A BELEZA QUE ATRAPALHA
por ronaldo duran*
QUERIA que tudo fosse fruto de minha cabeça tola. Que esta presunção soasse como algo insano em vez de me espetar de forma tão realista. Sim, a gente vive buscando uma razão para justificar os passos, explicar sucessos e fracassos. E o fracasso de fazer parte da minoria da galera que não entrou na faculdade almejada é suficiente para eu achar uma razão. Todo mundo comemorando e eu aqui na fossa. Falta de estudar, de me aplicar para valer? Sim. Por quê? É a beleza que atrapalha. A beleza que me mima, desviando-me dos propósitos que um vestibulando deve ter em mira.
por ronaldo duran*
QUERIA que tudo fosse fruto de minha cabeça tola. Que esta presunção soasse como algo insano em vez de me espetar de forma tão realista. Sim, a gente vive buscando uma razão para justificar os passos, explicar sucessos e fracassos. E o fracasso de fazer parte da minoria da galera que não entrou na faculdade almejada é suficiente para eu achar uma razão. Todo mundo comemorando e eu aqui na fossa. Falta de estudar, de me aplicar para valer? Sim. Por quê? É a beleza que atrapalha. A beleza que me mima, desviando-me dos propósitos que um vestibulando deve ter em mira.
COMO a beleza pode atrapalhar? Me desculpa a presunção. Porém só sendo bela para responder. Já dizia minha avó que tudo em excesso faz mal. O que ela diria de ser assediada pelos rapazes, mimadas por eles? E certos professores mulherengos, ser tão paparicada que deixa tonta? E as professoras que diante de mim sei lá por que se sentem magoadas, e tentam ser superiores com testes que parecem mais difíceis que a média?
OLHA como estou zonza. Nada a ver culpar os professores. Eu que sou responsável pelo péssimo desempenho. Assumo que gosto de ser paparicada, ter os meninos me olhando, disputando minha presença, fazendo meus exercícios de física e matemática, escrevendo minha redação, ou, ao menos, me dando dicas mastigadas, quase que me deixando ociosa na classe. Bem, não tão ociosa. Dou atenção a seus instintos e aos sentimentos platônicos. Sorrio, concedo o privilégio de lhes dirigir a palavra. Gostam de sentir meu perfume, de olhar meu rosto. Enfim, levando-os ao delírio e não raro causando briga para ver que domina minha atenção.
SEM contar as horas que gasto atendendo aos suplicantes convites para ir a lanchonetes, tomar sorvetes, cinema. E se meus pais não fossem caretas, provável que eu seguisse para as baladas.
Meu sonho é fazer engenharia civil ou arquitetura. Os carinhas dizem que eu estou delirando, aquela coisa de loira burra. Mas eu vou dar a volta por cima. Tá, nada de me retalhar o rosto para anular minha beleza. Claro que meu ego quer ser paparicado. Quem não quer? Contudo, quero ter uma profissão. Ser respeitada. Há sempre um modo para conciliar situações conflitantes, e nós mulheres somos peritas nisso. Vou rachar de estudar. No que minha beleza pode ajudar? Atrair um gato nerde e junto a ele eu pegar as manhas da matéria. Vou provar a mim mesma que não sou só um rostinho bonito.
MINHA Guaratinguetá, talvez eu tenha que te deixar. Mas um dia eu volto formada e pretendo embelezar você ainda mais, desta vez com projetos.
E não vou demorar. Catarei meus cadernos e anotações, diminuirei às idas aos shoppings, ao cinema, às praças de alimentação. Vou trocar o beijo na boca dos gatos pelo papel com as resoluções de problemas de matemática, claro, sempre que eu calhar de acertar.
* romancista, contista, colabora com crônicas em jornais. Autor do romance ANDO DE ÔNIBUS, LOGO EXISTO! disponível na http://www.corifeu.com.br/
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