LAVANDO BANHEIRO ALHEIO
por ronaldo duran*
Emoção. Fiquei trêmula, balançada pelo desabafo. Usei este recurso outras vezes. Mas cada vez parece única. Idéia pueril. Chamar atenção para a importância de meus alunos se dedicarem aos estudos. A motivação para falar veio ao acaso. Irritei-me com a resposta negativa quanto ao futuro de entrarem na faculdade. “Ah, a sua família bancou tudo”. Neguei. Disse que aos 28 anos era empregada doméstica, e que a partir daquela data, um dia decidi estudar e não parei mais.
Depois da aula, ao volante, fico pensando no impacto de minhas palavras. Tomara que sirva para ajudá-los a se encaminharem. E refletindo sobre minha própria caminhada, uma admiração me envolve. Entendo por que eles acham faculdade coisa para gente rica. De certa forma, eu também pensava assim. Aleguei como motivo de estar ausente da escola a ajuda que dispensava à minha mãe e meus irmãos menores. Em parte, é verdade. O lado da acomodação pesou igualmente. Tenho 46 anos. Na minha época, já havia supletivo, inclusive público. O desânimo me abraçava só em pensar em ir à noite para a escola após um dia exaustivo de trabalho.
Tinha dois filhos quando notei o desejo de acompanhá-los nas atividades escolares. Como se eu estava na 6ª série do ensino fundamental aos 28 anos? Além disso, eu que cobrava deles o empenho nos estudos, o que eu diria quando estivessem adolescentes? Queria dar-lhes orgulho de ter uma mãe formada. Durante a faxina que eu fazia numa mansão do Aquarius nas quintas-feiras à tarde, é que me veio um quê de indignação. Não por estar lavando o banheiro alheio, mas por estar ali mais por falta de estudo do que pela minha inclinação pessoal. Pensei: apenas um papel, um diploma, me separa de exercer a função mais de acordo com minha dita inclinação.
Então, vou caçar este diploma.
O diploma vem atrelado ao conhecimento que em tese confere ao seu possuidor. Nada de comprar diploma. Matriculei-me na escola. Aos 28 anos já temos certa disposição física, acomodação, se casadas ou não. Venci a tempestade que é deixar o lar, muitas vezes com as crianças chorando. Cansaço no dia seguinte era a regra.
Leciono história. O ganho é similar ao que eu auferia quando empregada doméstica, sem deixar de incluir nas desvantagens a fala de um ou outro governador rotulando-nos de preguiçosas ou mal-casadas. Com um governante assim, não admira que em termos de ranking mundial nós estejamos em baixa no item educação. O que importa é como professora eu incentivo os filhos da periferia a jamais abandonarem o sonho de uma vida digna. E dignidade raramente vem sem um adequado nível de instrução acadêmica.
*Escritor, romancista e contista, colabora com crônicas em jornais do Brasil. Contato: ronaldo@ronaldoduran.com Site http://www.ronaldoduran.com/
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