O ESTADO BRASILEIRO TEM OJERIZA À AUTONOMIA.
TEM ALERGIA À IDEIA DE ÓRGÃOS AUTÔNOMOS.
Seria lícito mencionar, até mesmo o erro de redação, na LDBEN, envolvendo o art. 9. inciso IX e o art. 10, inciso IV, que definem funções para dois poderes diferentes (união e estados), o que deverá ser corrigido por uma Portaria Ministerial, embora seja um remendo lamentável. Como pode uma lei do Congresso ser corrigida por instrumento de menor hierarquia?
Nos dois últimos governos inventaram índices, condições de oferta, Sinaes, Conaes, IGCs, CPCs, CCs AIEs (Avaliação Institucional Externa), produzimos especiosos e detalhistas, senão ineficazes, instrumentos de avaliações, além de Enade, Enem, provinhas e provões, decretos-pontes, reformas universitárias, dilúvios de portarias ministeriais, micro (ou nano) regulatórias, enfim, uma parafernália de mudanças.
Tudo muito bonito, mas efetivamente inócuo.
É um processo avassalador de modificações tão constantes que não permitem garantir um sentimento de estabilidade nem aos estudantes e suas famílias, nem aos gestores, nem aos docentes. E a sociedade certamente enxerga que a educação deveria merecer um tratamento permanente. É um mistério na vida política brasileira saber porque conseguimos fazer isso com a economia e não conseguimos com a educação. Os governos brasileiros, federal e estaduais, têm alergia à ideia de órgãos autônomo, sejam agências reguladoras, sejam universidades, sejam conselhos educacionais. Por isso, por exemplo, universidades brasileiras não gozam de autonomia verdadeira. Acho que os políticos brasileiros pensam que autonomia seja equivalente à soberania. E soberanos, como sabemos, no nosso caso, são mesmos os políticos. Estamos longe de entender a importância de órgãos técnicos autônomos, mas responsáveis frente à sociedade e a seus representantes. Nesse sentido, é de certa forma irônica observar que foi certa autonomia do Banco Central que deu ao Brasil a estabilidade da qual hoje se beneficia o país.
O Governo não achou a identidade de sua relação com o CNE, assim como o CNE não conseguiu achar sua identidade. O CNE não tem tempo para discutir as suas próprias questões porque está amarrado no relato de processos. Ele não aprofunda seus estudos porque não tem assessoria técnica. Não tem competência para avançar nos grandes temas regulatórios da administração pública ou da legislação adequada, porque tambémnão tem assessoria jurídica nenhuma.
O Conselho fica como uma caixa de fósforo vazia. E os ministros, fingindo que não sabem disso, mas sabem muito bem, nunca se dispõem a prover meios técnicos, equipe, estrutura e recursos que possibilitem a existência efetiva do CNE. Os 24 Conselheiros - 12 da Câmara de Educação Básica e 12 da Câmara de Educação Superior - trabalham em certo vácuo de ausênsia de apoio técnico. Os poucos técnicos que temos são abnegados, fazem milagres. Os conselheiros despacham em cubículos, visto que só têm arremedos de sala, sem nenhuma privacidade e sem nenhuma assessoria. Levam para casa seus processos e elaboram de próprio punho seus pareceres, diligências e toda e qualquer minudência processual. Conselheiros são secretários de si mesmos. Se sequer o órgão tem estrutura para trabalhar, é compreensível que o CNE não tenha encontrado a sua verdadeira identidade, seu verdadeiro papel. E isso não é diferente nos estados federados.
O CNE difere do antigo Conselho Federal em um ponto essencial: o Conselho Federal tinha estrutura, servidores, assessores, assessorias técnicas, cargos em comissão. O antigo CFE era um órgão aparelhado para funcionar. Por um mistério, entre o encerramento desmoralizante, e talvez intempestivo, posto que acabaram não sendo investigadas as razões que teriam dado razão ao fechamento do CFE, no governo Itamar, e o começo do CNE, sumiu a equipe técnica, sumiram os cargos em comissão, sumiram as assessorias especializadas, sumiu a estrutura e o CNE virou essa caixa de fósforo vazia.
Em certo sentido, o CFE ainda é mais lembrado talvez do que o CNE. Algumas pessoas citam seus pareceres e, francamente, alguns pareceres doutrinários do antigo CFE merecem mesmo um lugar relevante.
O fim do Conselho Federal de Educação, um erro político. Se o argumento, na época, foi a descoberta de pretensas irregularidades, por que não se abriu o competente inquérito para apurar responsabilidades. Disse na época, o ministro, que o CFE transformou-se num "balcão de negócios". Quais eram as pessoas envolvidas nesse comércio? A generalização de acusação sem provas não parece uma prática defensável, pois colocava todos sob suspeita. E há um pormenor essencial: o extinto CFE examinava os processos que eram remetidos para o MEC, a fim de serem aprovados, o que muitas vezes dependia também da homologação presidencial. Portanto, havia uma tríplice e solidária aprovação! Como caracterizar apenas a responsabilidade do extinto CFE?
Se o CFE precisou mesmo ser fechado, seria benéfico que a sociedade conhecesse o resultado das investigações e inquéritos que justificaram o fechamento. É muito ruim que um Estado moderno feche o seu Conselho Federal de Educação e não publique resultados efetivos de investigações, não puna ninguém ou desculpe ninguém porque, no fundo, sobram apenas as suspeitas gerais. E isto fragiliza a todos no passado e, por que não, no futuro, inclusive no CNE atual.
É preciso esclarecer que a crítica que se fez ao Conselho Federal de Educação baseava-se no seu excessivo cartorialismo, aliás, não correspondente à verdade. O Conselho Fedeal de Educação não criava cursos. Apenas analizava e dava o seu parecer com base em informações constantes. Admitindo-se que seja defensável a observação, o proposto Conselho Nacional de Educação é o próprio cartório, pois aparecia em 66 artidos do projeto de lei, numa proporção de 1:3, ou seja, de cada três artigos um cita o CNE e lhe confere atribuições. O Conselho Nacional da Educação (Lei 9113/95), com 30 membros; depois vem o Fórum Nacional de Educação, de congregação confusa e inaplicável; surge o Conselho Nacional de Capacitação Profissional, com 15 membros, com finalidades que poderiam estar no primeiro ato normativo, e por aí vai a mexida geral, que mais parece uma salada pedagógica de primeira ordem.
Se tivéssemos a estrutura técnica do extinto CFE, certamente o CNE teria produzido peças fundamentais para a história do pensamento educacional brasileiro e de todas as reformas educacionais, ocorridas no Brasil: Foram muitas as leis definidoras da educação brasileira. Enfrentando muitos atropelos e uma vida média, em geral, inferior a dez anos, sucederam-se as reformas da educação brasileira.
_ "O CNE deve ser um órgão de Estado. Por exemplo, quando o CNE vota um parecer de credenciamento da abertura de uma faculdade, o documento vem do MEC, já analisado pelas secretarias. No CNE, é discutido e preparado o parecer e enviados para homologação. Chegando ao gabinete do ministro, pensa que vai mesmo ao ministro para análise e homologação? Não vai não! O mesmo parecer é mandado de volta para a análise das secretarias, que já haviam recebido antes o processo, e depois o encaminham para a secretaria jurídica. O MEC ouve a burocracia, que não é qualificada para isso como são os conselheiros, para só então homologar ou enterrar, pelo silêncio, o parecer. Qualquer parecer do CNE morre num escaninho da burocracia, se assim se desejar. Nesse sentido, o CNE é refém da burocracia do MEC, que se manifesta duas vezes sobre cada assunto avaliado pelo CNE, antes de ir ao CNE e depois de voltar do CNE. Isto faz sentido?
Claro que não, e claro que sim. Claro que não, se pensarmos na existência legal de um verdadeiro CNE. Claro que sim, se pensarmos no predomínio burocrático sobre o estragégico e na incompreensível dificuldade que todo ministro tem com órgãos eventualmente autônomos em seus ministérios. É claro que uma das ambições que o CNE abriga é a de ter um Estatudo aprovado por decreto presidencial, que regulamentasse a lei que o cria. Muitos conselhos da órbita federal têm seu estatuto aprovado por decreto do Presidente da República, e certamente não seria demais pedir que o CNE tivesse seu estatuto também desta forma.
No dia 11 de maio de 2008, há quase dois anos, o CNE aprovou o Parecer CNE/CP no. 3/2008, que reexamina o Parecer CNE/CP no. 7/2007, com proposta para o ministro homologar um parecer, concordando que o estatudo fosse exarado por decreto presidencial. Essa matéria está voltando para lá e para cá há três anos. E este parecer está agora de volta ao CNE, enviado para reexame pelo gabinete do ministro que simplesmente diz que o CNE não pode ter um estatudo aprovado pelo Presidente da República, só pode ter um regimento aprovado pelo ministro. Ou seja, o CNE é mais, em verdade, um CME, Conselho Ministerial de Educação, do que efetivamente nacional. Esse episódio só serve para mostrar que mesmo os mais modernos ministros não estão muito dispostos a dar ao CNE um grau de autonomia em uma grandeza que talvez pudesse rivalizar com o MEC, pelo menos em termos doutrinário. O Estado brasileiro tem ojeriza à autonomia. Esse estatuto é um dos tristes marcos do período do CNE. E esse parecer será votado novamente e talvez venha a repetir o mesmo ciclo de frustrações." Diz o conselheiro Edson Nunes. (... haverá continuação deste artigo)
*Nelson Valente, escritor, jornalista, e professor universitário. Contato: nelsonvalenti@hotmail.com
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