O CARTEIRO*
A cidade convida a um passeio de bicicleta. Às sete da manhã, o sol brilha com todo o esplendor de janeiro. Sem as nuvens para ofuscar sua apoteose. O pai beija os filhos que ainda dormem: a menina que completou dois meses de vida ontem e o garotão com quase dois anos. Para a esposa, que estava na cozinha preparando o café espantador de sono, ele sorriu, um riso que traduzia agradecimento pela noite de amor e pela vigilante presteza para colocar a mesa do café antes que saísse para o serviço, mesmo que ela estivesse de licença gestante.
Um pouco por conta da licença gestante da esposa é que ele pode ir de bicicleta em vez de pegar o carro. Antes, a rotina era levar o garoto para creche, ainda sonolento, e seguirem ele e a esposa para a labuta nos Correios.
Dos vários empregos que ele frequentou, nos Correios é onde está permanecendo por mais tempo. O fato de ser o primeiro emprego público conseguido por concurso de provas e títulos, ainda que celetista, faz a diferença. Nos demais, era uma exploração insana. A pessoa que no máximo exibe o ensino médio acha-se em situação ruim. Infelizmente, o ensino médio, não técnico, vale muito pouco. Não havendo uma especialidade, sobram os serviços não qualificados, os quais são geralmente mal-remunerados, mal-valorizados.
Foi recepcionista em hotel por vários anos. Diga-se de passagem, por vários hotéis. Uma experiência que o agradou, e que provavelmente o levaria a cursar Hotelaria, caso não tivesse a sorte de entrar no atual emprego.
Tudo mudou nos Correios. A valorização. Salário e benefícios dignos para um trabalhador que durante o dia inteiro roda a pé o que a média do brasileiro não percorre em um ano.
Morando com os pais, pouca intenção tinha em casar-se antes de ser carteiro. Pouco menos de um ano nos Correios, deparou-se com uma moça igualmente batalhadora. Ela seria mãe de seus filhos.
O relógio marca onze horas. Os pés ainda não doem. O sol, contudo, faz a roupa molhar de suor. Num bar, pede água. No banheiro, refresca o rosto com a água da torneira. Agradece ao proprietário, ao mesmo tempo em que lhe deixa a correspondência. Segue em frente.
O horário de almoço está próximo. A meta mais uma vez será cumprida antes do prazo máximo. Tem lá suas recompensas como entregador de cartas. Nada de reclamar do emprego. Acreditando-se merecedor de melhor sorte, apenas espera subir de posto um dia, e sair da dura jornada na rua. Com trinta e seis anos, o peso da idade chegando... Por isso que há três anos tirou carta de habilitação. Espera ser promovido a motorista.
fonte da imagem do carteiro: nossafolha.wordpress.com/2008/08
*Ronaldo Duran, cronista e romancista, colabora toda semana em jornais brasileiros. Contato com o autor: http://www.facebook.com.br/
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