Que a leitura da crônica abaixo agrade a você e família.
Abraços,
Ronaldo
DIRETOR FORA DO PRESÍDIO*
Férias é bom. Na orla, é só aproveitar. Minha atividade está mais tranquila. Como saí de férias, tenho certeza de que cada dia será meu e sem surpresas. Diferente do feriado, qualquer problema que der na unidade tenho eu que correr para tentar solucionar. Faz parte das atribuições um bocado de assinaturas, requisições e pareceres sem os quais a unidade não anda. Quem mandou querer ser diretor?
Saí do prédio e fui buscar mistura para acompanhar o arroz e a salada preparados por minha mulher. Que bom o ar do litoral. A agitação é legal. À porta do restaurante, minhas pernas bambearam. Um jovem trajando calção longo, camiseta regata e boné, me aborda. “Olá diretor”, disse o jovem. Percebi que se tratava de um ex-presidiário, no máximo 24 anos. Eu o cumprimentei da maneira mais natural possível, como sempre faço quando estou a serviço. Perguntou-me se eu estava passando bem as férias, e um estranho riso me deixou perplexo.
Procurei camuflar o incômodo da situação. Era a primeira vez que eu me deparava com um ex-detento, assim, na rua, trocando ideia. Ele cercado de seus amigos. Fiquei aliviado quando disse para seus camaradas que eu era sangue bom. Foi como um sinal para eu seguir meu caminho: que não queriam nada comigo.
O incidente me desconcertou. Se me queimassem a tiros nada seria de estranhar. Nada de atípico. Nós diretores de presídio somos o inimigo público número 3, perdemos somente para o juiz que o condenou e a vítima que o denunciou. Há, de certo, colegas de profissão, que têm o dom para passar para o primeiro lugar na lista de desafetos de um presidiário. Incorporam uma atitude de verdadeiro tirano. A causa? Pouca habilidade em lidar com a própria ansiedade ou inadequado para o cargo que ocupa.
O diretor violento, bruto, esquece que a cadeia não é eterna, ditado bastante em voga na boca de detentos quando querem intimidar-nos. Eu faço meu melhor. Ser enérgico, mas mostrando ao detento que sigo a lei e não um capricho. Cumpro o que a instituição me exige, e jamais deixo-me levar por achaques, atitudes grosseiras a quem quer que seja. Respeito um detento como respeito a mim mesmo. A justiça já o puniu: privando-o da liberdade. Cabe a mim, contribuir com cumprimento decente da pena.
Ser bom, ético, carismático, não significa ser trouxa, conivente com o erro. No meu presídio não tem preso desfilando com celular, fazendo o corre, ameaçando vítimas dentro ou fora da prisão, ou continuando com a vida criminosa debaixo de meu nariz. E se quiserem acertar as contas por isso que o façam. Eu é que não abro mão.
*Ronaldo Duran, escritor, colabora em jornais brasileiros.
ronaldo@ronaldoduran.com
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