QUE ALÍVIO*
Noite fatídica. Passagem que quero esquecer na minha carreira. A morte da princesa Diana foi um divisor de águas. Antes dela, a opinião pública era mais tranqüila. Chamavam-nos de sensacionalistas, que não valíamos nada. Os rótulos pejorativos vindo principalmente do flagrado irritado. Mas de uma forma ou de outra seguíamos fazendo ouvidos mouros. Afinal, as revistas de fofocas vendem a rodo e alguém tem de fazer o trabalho sujo.
Antes da tragédia eu já tinha saído do Brasil, de posse de minha câmera, para clicar em solo europeu. Minha carreira, confesso, teria poucas chances de decolar se eu não fosse um dos fotógrafos que estampou a acompanhante do presidente sem calcinha em cima do palanque. Depois da foto circular nos Estados Unidos, me chamaram para integrar, na França, o que pejorativamente se conhece como paparazzi.
À noite do acidente, não que eu queira tirar o meu da reta, mas eu não estava na perseguição à princesa. Sim, estava de serviço, mas fuçando outras paisagens. Um ministro suspeito de manter um caso com a secretária. Claro que se eu fosse escalado para correr atrás da princesa, meu contrato me obrigaria e a ambição também.
Com as fotos da secretária e do ministro saindo de um motel à mesinha, eu tinha o controle remoto na mão direita e na esquerda, uma budweiser geladinha. Já era madrugada, quando o noticiário me chamou a atenção. “A princesa Diana se acidentara...”. Pela localização, uns três quarteirões de meu muquifo. Nem pensei. Peguei minha câmera e corri pro local. Chegando lá, que loucura. Sim estava lotado. Mas isto foi de menos. Um grupo investira contra mim. Chamavam-me de assassino. E eu fiquei mais perdido que cachorro que cai do caminhão de mudança.
Corri novamente, agora pro meu apê. Em casa, protegido, e ouvindo a CNN percebi o que havia acontecido. A princesa falecera. O povo culpava os paparazzi. Fiquei na defensiva de início. Depois entendi que a fúria tinha razão.
Se eu, sendo um deles, aceitava que os paparazzi tinham culpa, imagina o povo. Que inferno não seria para os fotógrafos dali para diante.
Nem nós levávamos tanta fé que o povo amava a princesa daquele jeito. Pensávamos que dali a uns dias tudo se acalmaria. Nada. Todos com uma câmera na mão passaram a ser o inimigo público número 1. Pela primeira vez os paparazzi sentiram na pele o mesmo que suas vítimas quando as perseguem implacavelmente.
Por um passe de mágica, veio a notícia de que o culpado seria o motorista que estava bêbado. Que alívio. Santa providência! Poderíamos finalmente andar na rua e continuarmos perseguindo a privacidade alheia em nome da liberdade de imprensa.
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